São Paulo, sábado, 8 de janeiro de 1994
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Record relança "A Lista de Schindler"; Diretor quis 'documentar'

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Record relança "A Lista de Schindler"
Spielberg se baseou no livro de Thomas Keneally para contar a vida do alemão que salvou 1.100 judeus
\<FT:"Times New Roman",SR\>Título: A Lista de Schindler
Autor: Thomas Keneally
Lançamento: até o final do mês
Preço: indefinido

No final de "A Lista de Schindler", Steven Spielberg colocou uma cena que não existe no livro em que se baseou, escrito pelo jornalista Thomas Keneally e que está sendo relançado pela Record este mês. O fato diz muito sobre a interpretação do Holocausto pelo diretor de "O Parque dos Dinossauros". O filme, que estreou em 17 de dezembro nos EUA e deve chegar ao Brasil em fevereiro, já ganhou dois prêmios da crítica americana e é o mais cotado para vencer o Oscar em março.
Na cena, Schindler (Liam Neeson) entra em colapso histérico, lamentando não ter salvo mais pessoas do que poderia.
Kennealy deixou claro à revista "Time" sua desaprovação à cena. Ele se fascinou em 1980 pela história do empresário alemão Oscar Schindler, que enriqueceu na Cracóvia (Polônia) com uma fábrica de esmaltados graças às suas boas relações com os nazistas, mas que, com a chegada do horror na Segunda Guerra, terminou por salvar1.100 judeus do destino reservado a eles nos crematórios arianos. Em 1982, depois de pesquisá-la, Keneally escreveu a história com pena contida e direta, quase hammettiana. Foi isso o que mais me atraiu Spielberg ao livro, segundo o próprio diretor (leia texto abaixo).
Outra perda do filme é provavelmente a profusão de pequenas histórias narradas por Keneally que comunicam bem a verdadeira luta de Schindler. Quer dizer: ele não fez apenas um gesto de grandeza; fez muitos. Sua idéia para salvar os judeus (depois conhecidos como "Schlinderjuden", judeus de Schindler) foi empregá-los em sua fábrica - a qual tinha um setor empenhado na produção de munição para o exército alemão e, portanto, era considerada "essencial ao esforço de guerra".
Schindler contrabandeava alimentos e inventava inúmeras artimanhas para proteger os judeus. A maior delas foi convencer as autoridades alemãs da necessidade de deslocar sua fábrica para Brinnlitz - um lugar mais a salvo dos russos, do ponto de vista dos nazistas; e mais a salvo dos nazistas, do ponto de vista dos "Schlinderjuden".
Diretor quis 'documentar'
"O que gostei no livro de Keneally é que ele é factual, quase descompromissado", disse Spielberg, 46. "Então eu não queria dirigir um espetáculo à la Cecil B. DeMille. Eu queria era fazer uma reportagem da CNN só com uma câmara na mão." Durante as filmagens, segundo consta, gritava para o elenco: "Isto aqui não é um filme, é um documento". Daí a impropriedade da da cena final, que inclusive fere um provérbio talmúdico, citado por Keneally: "Quando você salva uma pessoa, salva o mundo".
Explicando ao "New York Times" por que fez o filme em preto e branco, Spielberg diz que suas imagens da tragédia são todas em preto e branco. Nascido em Cincinatti, Ohio (EUA), o diretor lembra que era discriminado e agredido por ser judeu. "Meus colegas tossiam 'judeu' na mão quando passavam por mim no corredor."
Outra lembrança de Spielberg é a de um sobrevivente de Auschwitz que estudava inglês com os avós do diretor. O sobrevivente tinha algarismos impressos por ferro em brasa no braço e ensinava aritmética ao garoto.
A questão é saber se é possível a alguém com essas memórias não ser sentimental sobre o assunto.
Primo Levi, o escritor italiano, conseguiu.

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