São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994
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Abertura e competição

LUÍS NASSIF

Talvez em nenhuma outra área a desinformação e os equívocos da academia tenham prestado desserviço tão acentuado ao país quanto na definição de princípios de política industrial –nos anos 70 e 80. Principalmente na defesa do modelo brasileiro de reserva de mercado, que ganhou sobrevida com a Nova República, a partir da atuação de acadêmicos ligados a Ulisses Guimarães.
Em 1985, ao mesmo tempo em que a Nova República se iniciava no Brasil e esses intelectuais promoviam uma exacerbada defesa ideológica da reserva, comissão especial indicada pelo presidente norte-americano Ronald Reagan, e coordenada pelo professor Michael E. Porter, da Harvard Business School, foi incumbida de estudar dez países industrializados, buscando entender os novos passos do desenvolvimento industrial mundial.
O resultado dos estudos está no livro "A Vantagem Competitiva das Nações", obra fundamental, lançada há alguns meses no Brasil pela Editora Campus. Nela, Porter subverte amplamente três ilusões que alimentaram sucessivos governos e acadêmicos brasileiros dos anos 70 aos 90.
A primeira ilusão –brandida por industrialistas de todos os naipes–, foi que bastaria matérias-primas abundantes, mão-de-obra barata e mercado interno vasto para consolidar a competitividade nacional.
A segunda ilusão –alimentada pela corrente delfinista– é que não haveria questão de produtividade que não fosse resolvida por uma boa relação câmbio-salário (câmbio crescendo acima dos salários).
A terceira ilusão –defendida pelos unicampistas-ulissistas– é que a superproteção (com fechamento completo de mercado) geraria empresas poderosas.
Essas três ilusões, embaladas em épocas diferentes, foram as responsáveis por duas décadas de atraso e pelo fato de o país ter perdido o bonde da terceira onda industrial.
O consumidor sofisticado
A primeira conclusão de Porter é que um país é organicamente competitivo apenas quando sua produtividade interna é elevada. O resto é firula. Vantagens de fatores são rapidamente superadas por inovações tecnológicas. E relação câmbio-salário favorável, por si, jamais será capaz de dotar indústrias nacionais de imaginação e comprometimento com a produtividade.
A segunda conclusão relevante é que a abundância de elementos básicos favoráveis quase invariavelmente se constitui em fator de acomodação –não de inovação. Porter apresenta impressionante coleção de exemplos para demonstrar que as vantagens de países em determinados ramos da indústria estavam ligadas diretamente à carência de fatores internos naquele setor.
Um terceiro ponto fundamental é a constatação de que um consumidor interno exigente e sofisticado é essencial para gerar indústrias internacionalmente competitivas.
Porter desmonta teses de que países de baixa renda per capita devem basear suas vantagens comparativas em produtos populares pouco sofisticados.
Na primeira etapa, suas indústrias podem até disputar mercados exclusivamente com baixos preços, baseados em fatores de produção abundantes (mão-de-obra barata, matéria-prima local). Mas, na etapa seguinte, precisam necessariamente agregar inovações, tecnologia e um padrão de qualidade mundial. E aí entra a importância da concorrência (não da reserva de mercado) e do consumidor sofisticado –tipo execrado pelos acadêmicos– impulsionando a indústria com suas exigências.
Enquanto nossos acadêmicos sustentavam que o milagre japonês fundava-se exclusivamente no fechamento do mercado interno, Porter demonstra que, antes de se lançar ao mundo, a inovação japonesa foi impulsionada por consumidores extremamente exigentes.
O BNDES e os novos conceitos
Coube ao BNDES, antes de submetido ao processo de emburrecimento da gestão Modiano, atualizar os conceitos de política industrial, fornecendo as bases teóricas das quais se valeram funcionários públicos valorosos para lançar planos de produtividade, competitividade e, principalmente, câmaras setoriais –fórum que acabou esvaziado pelo governo Itamar.

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