São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994
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Inflação faz país perder US$ 30 bilhões por ano

NILTON HORITA
DA REPORTAGEM LOCAL

É como dirigir atrás de uma perua Kombi: você sabe que a rua continua lá na frente, mas nunca tem certeza absoluta sobre o que está acontecendo. É assim que a sociedade brasileira convive com a inflação. Pensa em como ganhar dela optando pela melhor aplicação financeira, mas se esquece que o salário já chega defasado.
O lucro inflacionário obtido por quem trabalha com dinheiro é apenas uma parte dos estragos provocados pela inflação. Segundo cálculos do economista Paulo Mallmann, diretor financeiro do Banco BMC, o país deixa de agregar ao PIB (Produto Interno Bruto) cerca de US$ 30 bilhões por ano por causa da inflação.
"Os dados históricos mostram que poderíamos estar crescendo cerca de 6% ao ano, mas ficamos estagnados no ponto morto da inflação", afirma. "E o drama maior é que ficamos todo o tempo pensando que poderíamos conviver com ela por causa dos mecanismos de indexação. Enquanto isso, a miséria se espalhou."
O lucro inflacionário conseguido pelo governo todos os anos apenas alimenta essa ilusão. "Quando o BC coloca uma nota de cruzeiro na economia é como se o cidadão comum estivesse comprando um CDB que rende zero por cento", compara David Gotlib, diretor da Linear Distribuidora de Valores.
"É fácil perceber que quem paga mais imposto inflacionário é aquele que não tem acesso aos produtos financeiros de proteção", acrescenta. "É um troço perverso e arrecada sem possibilidade de evasão."
O BC repassa o dinheiro ganho com a inflação para o caixa do governo através de complicadas operações de compra de títulos do Tesouro. Segundo Mallmann, a estratégia do governo de sanear as finanças públicas como base do combate à inflação está correto.
"Sem consertar as contas públicas, ficaria muito difícil o governo eliminar a inflação de uma tacada só", diz. "Acabaria a receita inflacionária de uma vez e a transição fica inviável."
O sistema financeiro também ganha com a inflação, mas, hoje, seu fim é encarado com pragmatismo pelos bancos. Sabem que, um dia, a inflação volta como bumerangue contra eles mesmos. "Parece um ícone defender a estabilidade, talvez um modismo. Não é nada disso", afirma Mallmann.
A melhor definição para o lucro inflacionário dos bancos, segundo ele, é comparar o setor a uma região assolada por tempestades. "Neste ambiente, ganha o fabricante de produtos impermeáveis", afirma Mallmann. "Depois, ganham todos em benefício coletivo. Cada cidadão pode trocar o tempo que gasta para fazer contas em outras atividades mais sadias, como o lazer." (Nilton Horita)

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