São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994 |
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Otan inicia sua cúpula da "crise de identidade"
RICARDO BONALUME NETO
A Otan surgiu em 1949 para fazer frente à ameaça comunista. Durante quase meio século a Europa Ocidental esperou uma Blitzkrieg soviética, uma guerra-relâmpago de uma massa descomunal de tanques apoiados por aviões que esmagaria tudo pela frente e forçaria os americanos a usarem seu arsenal nuclear. Ano após ano os generais da aliança argumentavam com estatísticas mostrando o crescimento do poder soviético e pedindo mais verbas para a defesa. Foram atendidos na década de 80, principalmente por gente como o ex-presidente americano Ronald Reagan. Ironicamente, depois de uma década de aumento acelerado nos gastos militares, o comunismo ruiu e a Otan se vê hoje na posição inversa, muito mais poderosa que os países do leste que antes eram a ameaça. No auge desse festival de gastos militares, os 16 países chegaram a gastar perto de US$ 500 bilhões por ano com as forças armadas (três quintos dos gastos foram, e ainda são, feitos pelos EUA). Hoje a Otan gasta 10% menos com armas do que em 1987, enquanto que nos países do leste os gastos despencaram de modo muito mais abrupto em função da crise econômica e da difícil adaptação ao mundo capitalista. A Rússia gasta provavelmente metade do que a URSS gastava com seu arsenal. Os cinco países que querem entrar para o clube ocidental antes jogavam no time soviético. Querem entrar porque ainda temem a Rússia. O último a pedir, a Lituânia, declarou expressamente que o avanço eleitoral do ultra-nacionalista russo Vladimir Jirinovski mostra que ainda existe uma ameaça militar às novas nações. O governo de Boris Ieltsin não gosta da idéia de ver os antigos aliados virarem casaca. A expansão da Otan aumentaria o complexo de perseguição dos russos, uma paranóia com base bem real nas invasões tentadas por suecos, franceses e alemães. Apesar do entusiasmo dos alemães em expandir a Otan para o leste, a posição mais conservadora dos EUA, Reino Unido e França deve prevalecer. Transformar os cinco candidatos e outros eventuais em "parceiros para a paz" provoca bem menos os russos. O pilar da Otan é a relação especial entre os EUA e os países da Europa Ocidental. Os EUA cumpriram neste século o papel que antes era do Reino Unido, de evitar que uma potência tomasse conta do continente. Os americanos impediram que a Alemanha ficasse dona da Europa em duas guerras mundiais assim como os britânicos atrapalharam as ambições da França de Luís 14 e de Napoleão. Durante quase 50 anos, a aliança transatlântica brecou por meio de uma guerra "fria" que a URSS ampliasse seu império. Sem a ameaça militar, a Otan tenta entrar no ramo da "manutenção da paz", até agora sem muito sucesso. O fracasso em intervir na Bósnia é uma prova de que a Otan não se transformou no policial da Europa. A guerra contra o Iraque, um lugar fora da área de ação legal da Otan, ao norte do trópico de Câncer, foi um espetáculo praticamente americano. Soldados foram enviados apenas pelos britânicos e franceses. Canadenses e italianos mandaram alguns aviões. Outros países da Otan colaboraram com navios, uma método bem menos arriscado de guerrear quando o inimigo não tem como revidar contra forças navais. Durante toda a história da Otan os Estados Unidos reclamaram que os europeus não faziam o suficiente para a própria defesa, se limitando a ficar debaixo do guarda-chuva nuclear americano. O futuro da organização vai depender de os europeus decidirem o que fazer com suas caras orças armadas agora que a Blitzkrieg soviética virou miragem. Texto Anterior: Artistas apóiam a causa dos indígenas Próximo Texto: Ocidente ainda investe em força militar Índice |
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