São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994
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O sonho mau que nos separa

JOSÉ DIRCEU

Nas minhas andanças iniciais como candidato ao Palácio dos Bandeirantes, é comum me questionarem sobre se ainda seria realista esperar por uma aliança do PT com o PSDB nas próximas eleições. E tem sido frequente meus interlocutores apontarem projetos pessoais como a principal causa das atuais dificuldades na relação entre os dois partidos.
Pelo menos no nosso caso, posso dizer que cometem uma grande injustiça. Eu mesmo tenho testemunhado o enorme esforço que o companheiro Lula faz para tornar mais viável um diálogo entre as duas legendas. Sabemos todos – Lula principalmente – que o próximo governo precisará de amplo apoio político para concretizar as reformas econômicas e sociais de cuja execução será incumbido pelas urnas. Nesse sentido, o PT está preparado para fazer acordos necessários.
Hipotéticos sectarismos ou personalimos não explicam a origem de nossos problemas com o PSDB. Eles são de outra ordem. Começam quando uma possível coligação entre os dois partidos é esculpida no imaginário das elites como o antídoto para os ímpetos reformistas e mudancistas do PT. Uma aliança com os tucanos seria, por tal enfoque, a garantia de que o Lula do Palácio do Planalto não será nada parecido com o candidato Lula.
É natural que a base petista repudie essa manobra. Até porque, a racionar assim, para que então eleger Lula presidente?
Entretanto, o obstáculo principal ao entendimento entre nós e o PSDB é outro: os galanteios, cada vez menos discretos, que tucanos lançam em direção à plutocracia, embalados pelo sonho mau em que se vislumbram como o último trunfo das classes dominantes em busca de seu anti-Lula.
Chega a ser constrangedora a avidez com que peessedebistas tentam reaglutinar os restos do PMDB e do PFL, em busca da tal "terceira via". O excesso de apetite tem levado, aliás, a situações embaraçosas. Até a véspera da eclosão da CPI do Orçamento, o ministro Fernando Henrique Cardoso batalhava para fazer Genebaldo Correia o líder de seu governo na Câmara dos Deputados.
Outro capítulo é a revisão constitucional. A cada dia fica mais claro que ela não passa de uma última e desesperada tentativa de completar, na marra, a "obra" de Fernando Collor, manipulando-se para isso um Congressso terminal. Qual tem sido a atitude do PSDB a esse respeito, honrosas excessões à parte? Lá está, sustentando teses de causar invejas ao privatista mais convicto.
Nesse contexto, as práticas do governo FHC constituem um capítulo à parte. O que distingue a atual gestão da administração Marcílio Marques Moreira? O que é hoje a política econômica, senão uma tardia tentativa de injetar concreto no alicerces abalados do neoliberalismo pós-Collor?
Propor ao PT entendimento com o PSDB nessas bases equivale a pedir que abdiquemos de nossa identidade, em nome de uma cínica "governabilidade".
O PT quer ir ao governo para iniciar um processo de distribuição de poder, riqueza e renda no Brasil. Nossas possibilidades eleitorais só existem porque a população nos reconhece como uma força que pode liderar essa transformação.
Aos que pensam em nos tirar da rota, aviso que perdem seu precioso tempo. Queremos alianças e as faremos. Para tornar possível um Brasil diferente do que aí está, não para nos acomodarmos a ele.

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