São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994
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Marzo transforma coveiro de 'Fera' em peça-chave; Ator largou carreira de galã no auge

MARCELO MIGLIACCIO

Marzo transforma coveiro de 'Fera' em peça-chave
No papel de Orestes Fronteira, ator volta à Globo depois de anos vetado, do exílio glorioso na Manchete e de vários problemas de saúde
Um retardatário está roubando a cena em "Fera Ferida". Cláudio Marzo juntou-se ao elenco consagrado da novela semanas depois da estréia. Foi entrar para tornar-se fundamental: das últimas semanas, não há em "Fera" personagem mais presente que seu coveiro Orestes Fronteira.
A natureza do personagem explica parte do fenômeno. Orestes fala com os mortos - liga o passado e o presente da trama - e é uma porta aberta para o tal "realismo do fantástico"do gênero - é sua a descoberta da água dos mortos", afrodisíaco que esquenta a novela.
Some-se ao desempenho seguro e minimalista de Marzo - 53 anos de idade, 30 de TV. Depois de algumas temporadas fora da Globo e de uma passagem gloriosa pela Manchete, em "Pantanal", o autor mostra que havia muito talento escondido atrás dos galãs que lhe davam - e de sua eterna fama de "porra louca"(leia texto pág. 10).
Com Orestes, Marzo reencontrou o prazer de fazer novelas. Ële é um homem simples, que tem sensibilidade mediúnica", disse o ator em entrevista ao TV Folha em se apartamento, na Gávea (zona sul do Rio). "Rever e trabalhar com velhos colegas é muito bom".
O convite para "Fera Ferida"partiu do diretor Marcos Paulo. Marzo stava fora da Globo há alguns anos - havia um veto a seu nome na emissora, ligado ao fato de ter apoiado uma greve de técnicos, em meados dos 80. Na temporada de exílio, fez grande sucesso o papel duplo de José Leôncio, o patriarca, e Velho do Rio, a entidade de plantão, em "Pantanal"(1990).
O veto caducou há algum tempo. O ator foi cogitado por Benedito Ruy Barbosa para ser José Inocêncio em "Renascer". José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, vice presidente de Operações da Globo, foi contram nas por razões estéticas. "Ele achou, com razão, que ficaria muito parecido com o José Leôncio", lembra.
O adiamento da volta à Globo foi para bem. "Estou adorando brincar com esses personagens do Lima Barreto", diz Marzo - que em 73 decidiu abandonar a carreira de galã e batalhar ara virar "um ator de verdade", sua idéia de futuro até hoje.
O coveiro é, de resto, seu primeiro papel depois de uma temporada fátidica de problemas de saúde. Em 93, teve um cisto benigno o cérebro - extraído em cirurgia - e uma hepatite.
"Nessa idade, aparecem as consequências do tipo de vida que você levou", diz o ator. "Hoje, estou mais pacato e não faço tantas extravagâncias. Parei de beber. Mantenho meus uísques ali (aponta o bar do apartamento) só para contemplação", ri. "Como Orestes, tenho consciência da inexorabilidade da morte".
As benesses da idade incluem o prazer que vive na proximidade da - grande - família. Tem três filhos, Alexandra, Diogo e Bento, os três de casamentos com atrizes - Beth Faria, Denise Dumont e Xuxa Lopes, respectivamente. "A Alexandra vai me dar um neto em breve e estou adorando a idéia", diz. Atualmnte, passa férias com o filho Bento, no Rio.
Marzo não tem a menor saudade do tempo em que fazia par romântico com Regina Duarte em "Carinhoso" e era um dos galãs da Globo. "Aquela quantidade de mulheres correndo atrás de você era uma coisa que não ajudava em nada. Só complicava mais a cabeça".
Tem saudade, sim, de "Pantanal"- que considera seu melhor trabalho na TV. "Não só pela novela, mas por ter passado um ano naquele paraíso", diz. "O sucesso fora da Globo, aliás, quando acontece, é muito gratificante".
Marzo diz que anda assistindo mais TV do que nunca. "Acompanho a novela e gosto de ver o Jô Soares". Ao comentar o que vê, não demora a fazer jus a sua fama de inflamado. "Outro dia, apareceu o Sarney no Jô. Desliguei na hora. Minha TV está dando cupim de tanta cara-de-pau que aparece nela", dispara.

Ator largou carreira de galã no auge
Em 1972, depois de 'Carinhoso', Marzo deixou a barba crescer e parou para balanço: 'Foi um rompimento', diz
Da Sucursal do Rio
Cláudio Marzo guarda uma diferença básica em relação aos atores de sua geração –como Tarcísio Meira e Francisco Cuoco. Como eles, foi um supergalã na década de 70. Ao contrário deles, rompeu com a imagem no auge –depois de fazer "Carinhoso", de Lauro César Muniz, com Regina Duarte.
"Em 72, logo depois de "Carinhoso", decidi que não queria mais gastar a minha vida com coisas tão descartáveis como aqueles personagens que estava fazendo", conta Marzo.
"Deixei a barba crescer, dei meu relógio de pulso para o primeiro garotinho que encontrei na rua e fui viajar. Foi uma espécie de rompimento". Tempos, acabou comprando outro relógio –e voltando à TV.
A tendência do ator a um certo inconformismo diante dos limites da TV já ficara clara antes –em 70. "Os militares acharam que 'Irmãos Coragem' incentivava a insubordinação, pela rebeldia dos protagonistas. Chamaram a Janete Clair em Brasília e ditaram modificações".
"Quando ela voltou, disse que meu personagem, o Duda, voltaria para a cidade e se tornaria aliado do delegado", conta. Marzo disse que não aceitaria: "Sou porra louca mesmo, prefiro sair da novela".
Um ano antes, fora preso pelo regime militar. "Disseram que meu nome estava nos arquivos de uma célula comunista desbaratada em Cavalcante, no Rio."
Segundo o ator, não havia acusação formal. "Foi uma arbitrariedade kafkiana. Só me dei conta de que não era ficção quando peguei nas grades da cela e vi que não eram de madeira, como nos cenários, mas de ferro", diz.
Seu ex-sogro, o general Marçal de Faria, conseguiu soltá-lo– dizendo que se responsabilizaria por ele.
Hoje, Marzo tem horror a políticos. "Não gosto nem de chegar perto", diz. "Talvez pertencesse a um partido se existisse o anarquista". Isto não o impede de ir à rua "como cidadão, para protestar".
Seus planos pessoais são outros. "Quero seguir com meu trabalho, fazendo coisas que me dêem prazer. Vejo o Mário Lago aí, com seus 80 anos, trabalhando e agradando. Minha esperança é ser, como ele, um ator de verdade".
(MM)

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