São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 1994
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Candidato surgirá da revisão, diz Jobim

OTÁVIO DIAS
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

Relator começa hoje a definir agenda mínima e acha que reforma produzirá nome para concorrer à Presidência
"Não tenho dúvidas de que, quando começar a votação, os parlamentares estarão presentes. Será muito difícil para o PT e o PDT explicarem ao país a obstrução de uma sessão que tratar, por exemplo, da imunidade"
O relator da revisão constitucional, deputado Nelson Jobim (PMDB-RS), 47, inicia a partir de hoje contatos com as lideranças partidárias no Congresso Nacional com o objetivo de definir uma agenda mínima para a reforma da Constituição. "Até o próximo dia 20, o processo revisional será um fato", afirmou o deputado, em entrevista à Folha na última sexta-feira em Brasília. Ele diz não ter dúvidas que os parlamentares contrários à reforma participarão da revisão: "Será muito difícil ao PT e ao PDT explicarem a obstrução de uma sessão que trate da imunidade parlamentar."
Segundo Jobim, a CPI do Orçamento distraiu as atenções e diminuiu o patrulhamento sobre a revisão. Para Jobim, as eleições também não são empecilho. Ele defende a formação de um núcleo democrático no Congresso Revisor, do qual sairia um candidato à Presidência da República. Na revisão constitucional, afirma Jobim, o PT terá que optar entre ser uma esquerda moderna, com "tinta social-democrata", ou um partido do aparelho do Estado.
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Folha - A CPI do Orçamento prejudicou a revisão constitucional ou, ao distrair as atenções, facilitou seu andamento?
Nelson Jobim - A CPI do orçamento deu aos partidos contrários à reforma um novo instrumento para retardar a revisão. Por outra parte, teve um lado positivo. A apresentação das emendas não foi objeto de grandes indagações. Pudemos circular com mais desenvoltura, menos patrulhamento. Eles tiveram do que se ocupar.
Folha - A revisão está ensanduichada entre a CPI e a campanha eleitoral. Qual a sua opinião sobre as propostas de adiamento da reforma para 95?
Jobim - É juridicamente inviável. A revisão foi prevista para se realizar uma vez só e essa vez já começou.
Folha - O sr. tem uma estratégia para atrair os parlamentares no momento adequado?
Jobim - Não tenho dúvidas de que, quando começar o processo de votação, os parlamentares estarão presentes. Será muito difícil para o PT e o PDT explicarem ao país a obstrução de uma sessão que estiver tratando, por exemplo, da imunidade parlamentar. Vou te falar sobre o Lula e o PT. Hoje a nomenclatura do PT, ou seja, o diretório nacional e os diretórios regionais, é controlada pela esquerda estatizante e corporativa. Lula sabe que, para ser eleito, precisa da classe média. Precisa se apresentar como um político moderno. Com quem ele rompe? Rompe com a base do partido ou com a classe média? Esse é um dilema que Lula só quer enfrentar depois de eleito. Talvez por isso, a revisão seja inconveniente ao PT. Na reforma, o partido vai ter que se apresentar à nação como uma esquerda com forte tinta social-democrata ou como partido do aparelho do Estado.
Folha - Até agora não existe alternativa para a candidatura Lula. Qual o seu candidato ideal?
Jobim - Durante a revisão constitucional e tendo em vista a discussão destes temas agudos poderemos, construir um grande núcleo democrático. Deste núcleo, poderá sair um candidato. Temos três momentos distintos: o momento da discussão dos temas nacionais - cujo fórum é a revisão -, o primeiro turno das eleições e o segundo turno das eleições. O primeiro turno só pode ser discutido depois da revisão.
Folha- Se o governador Orestes Quércia for o candidato do PMDB, o PMDB gaúcho debanda para outra candidatura?
Jobim - O PMDB do Rio Grande do Sul tem imensas dificuldades de tê-lo como candidato à Presidência. Quércia provavelmente terá a lucidez de saber que não representa a unidade do partido. A eleição de 94 exigirá não só a unidade interna do PMDB, mas também a possibilidade de grandes alianças eleitorais.
Folha - Como o sr. vê o pacto Sarney-Quércia?
Jobim - Ouvi falar, mas não vi os termos do protocolo. Em havendo o pacto, digo que é inconveniente, pois desrespeita a ordem natural das coisas. O PMDB tem que dizer, na revisão, o que quer para o país, definir-se sobre as questões em relação às quais silencia.
Folha - Quais são os prazos da revisão?
Jobim - A partir de segunda feira, 9 (hoje), farei contatos com as lideranças do PMDB, PFL, PPR, PL e dos outros partidos favoráveis à revisão para definir a agenda mínima. Tentarei conversar também com o PT e o PDT. Até o final da semana pretendo ter um boneco da agenda mínima. Então, começarei a discutir os conteúdos dos pareceres. A partir do dia 20, a revisão deverá ser um fato. O prazo de encerramento é 15 de março. Agora, o regimento interno prevê sua própria alteração. Se o tempo não for suficiente, poderá ser prorrogado por mais 15 ou 30 dias.
Folha - No que consiste esta agenda?
Jobim - A agenda mínima provavelmente terá dois conteúdos. A agenda política, que envolveria, por exemplo, definição dos poderes, sistema eleitoral, partidos políticos, representação, extensão do mandato, reeleição, medida provisória. E a agenda econômica, que envolveria sistema tributário e orçamentário, Federação, monopólios, capital estrangeiro, entre outros temas.
Folha - O Sr. já tem pronto seu parecer sobre as emendas?
Jobim - É preciso esclarecer que não será um parecer, mas vários, segundo as unidades temáticas da Contituição. Estou identificando onde, nas emendas apresentadas, há consenso ou dissenso.
Folha - Os pareceres trazem alguma surpresa?
Jobim - Não. Na revisão, temos que dispensar as originalidades desnecessárias. Não estamos criando uma nova Constituição, mas revendo aquela que existe. É proibido inventar.
Folha - Os parlamentares sob investigação da CPI poderão participar da revisão?
Jobim - Não há item constitucional ou regimental que os impeça. É claro que vai haver um constrangimento natural, o que pode conduzir a um isolamento voluntário. Isso não me diz respeito, porque faz parte da maturidade democrática. E, em matéria de democracia, eu sou maduro.
Folha - Qual foi o impacto sobre o sr. das denúncias de corrupção contra o deputado Ibsen Pinheiro, seu companheiro no PMDB gaúcho?
Jobim - As minhas relações com o deputado Ibsen são antigas e tenho confiança que ele possa esclarecer as denúncias. Agora, se ficar demonstrado claramente que o deputado cometeu atos lesivos, serei um dos primeiros a trabalhar para sua condenação. Na CPI, temos que ter duas coragens: a de condenar e a de inocentar. E no estado de direito, é o acusador que tem que demonstrar a culpa, não o acusado que tem que provar sua inocência.
Folha - Em entrevista à Folha, o ministro do Supremo Tribunal Federal, José Celso de Mello, disse que existiam limites à revisão. Que limites são esses?
Jobim - São as chamadas cláusulas pétreas ou, como os alemães preferem, as garantias de eternidade. Não são admissíveis emendas tendentes a abolir, por exemplo, a forma federativa do Estado, o voto direto, secreto e universal, a separação dos poderes ou os direitos individuais. Agora, a Constituição petrifica o princípio, não o enunciado. Está proíbida a mudança de um Estado federativo para um Estado unitário, por exemplo. Mas é permitido redesenhar o modelo federativo.
Folha - O que deve ser alterado no pacto federativo?
Jobim - Há uma sensação de que o princípio federativo deva ser aguçado, mas não se pode destruir a União, que terá tarefas macroeconômicas, definições da moeda, coisas dessa natureza. Pode-se transferir para os Estados e municípios funções executivas, como gestões de obras. Mas como o país é muito díspare, a União tem de ser subsidiária para minimizar as diferenças regionais.
Folha - Qual a sua opinião sobre fidelidade partidária?
Jobim - Sou a favor, mas não basta colocar na Constituição a obrigação de fidelidade. É preciso buscar as causas da infidelidade partidária. O sistema eleitoral brasileiro privilegia o indivíduo e não o partido. É o indivíduo que produz votos, que tem seu espectro eleitoral próprio. Portanto, ele é fiel à sua individualidade e infiel ao partido. O partido depende dele e não ele do partido.
Folha - Vivemos uma crise entre os poderes? Este equilíbrio será revisto?
Jobim - A Constituição norte-americana montou um sistema de governo com instiuições separadas - Executivo, Legislativo e Judiciário - que compartilham o poder. Hoje, no Brasil, tendo em vista circunstâncias históricas e uma redução da envergadura dos homens públicos, vê-se instituições separadas disputando o poder. Por exemplo, no final do governo Sarney e durante o governo Collor, privilegiou-se a medida provisória como instrumento de governo. A MP prevê uma forma eficaz pelo qual o Executivo possa enfrentar crises, mas existem propostas de inviabilizar seu uso abusivo.
Folha - Na sua opinião, deve haver controle externo do Judiciário?
Jobim - Existe um clamor da classe política e da sociedade para encontrar mecanismos pelos quais o Judiciário participe do que os norte-americanos chamam de "accountability": o dever social de prestar contas. Mas o grande senhor do processo revisional do poder judiciário será o usuário.
Folha - As mudanças propostas pela equipe econômica terão prioridade na revisão?
Jobim - A prioridade passa pelo acordo partidário. Nesta semana, verificarei, por exemplo, quais partidos reputam que os temas relativos ao ajuste fiscal, naquilo que importa na reforma da Constituição, devam ser incluídos na agenda mínima. Existe um consenso em relação à reforma fiscal: simplificação e não-oneração da produção.
Folha - Existe coragem política para a quebra dos monopólios?
Jobim - Existe disposição para discutir o tema. No Parlamento, há três posições paradigmáticas. Um grupo quer a manutenção absoluta dos monopólios. Outro quer extinguí-los por completo. Um terceiro quer manter o Estado não como intervencionista na economia mas como regulador de setores em que o mercado tem forças desestabilizadoras de suas próprias regras.

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