São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 1994
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Comércio desleal quebra

DURVAL DE NORONHA GOYOS JR.

A liberalização do comércio internacional no Brasil é um fato e pode ser constatada em todos os campos da atividade econômica. Em poucos anos, a tarifa média brasileira foi reduzida para cerca de 14%, um patamar exemplar. A abertura comercial, eminentemente saudável, deixa todavia o Brasil sujeito às práticas desleais de comércio, abundantes no mercado internacional.
Sem combate, tais práticas distorcem a economia mundial e podem levar à quebra setores inteiros da economia dos países que, menos avisados, não coíbem tais abusos ilegais. Por exemplo, somente no setor têxtil, os Estados Unidos perderam 500 mil empregos na última década e a União Européia (UE), 300 mil nos últimos dois anos, em grande parte devido à competição desleal. O mesmo está acontecendo no Brasil.
O combate às práticas desleais de comércio –tanto no tocante à atividade predatória e ilegal do "dumping" como no atinente ao efeito deletério dos subsídios– é perfeitamente autorizado e regulado pelo único tratado que rege a matéria, o GATT, através dos Códigos Antiduping e de Subsídios, de 12 de abril de 1979, que foram promulgados no Brasil somente em 1987.
Com a crescente liberalização do comércio internacional patrocinada pelas rodadas do GATT, países como Estados Unidos, Canadá e Austrália passaram a se utilizar frequentemente (e, em alguns casos, abusivamente) das faculdades conferidas e/ou permitidas pelos códigos. Em 1984, os Estados Unidos já evoluíram para além do que neles era permitido e adotaram unilateralmente uma legislação coibitiva de práticas desleais de comércio, o "Ato de Comércio e Tarifas", sob pressão da economia privada que julgava o governo americano leniente em demasia com o comércio predatório. Com base nessa lei, os Estados Unidos sobretaxaram o suco de laranja do Brasil, país que não pratica subsídios, em US$ 492 por tonelada.
Desta forma, o combate às práticas desleais de comércio não é uma forma de protecionismo; ao contrário, é essencial para que se possa assegurar o livre comércio e que toda a sociedade usufrua dos benefícios dele decorrentes. A omissão no combate de tais práticas pode trazer malefícios à economia de um país proporcionalmente maiores que os eventuais benefícios decorrentes do livre comércio.
Por exemplo, o infame sistema "Política Agrícola Comum" (PAC), da UE, subsidia em US$ 400 bilhões ao ano sua agricultura, o que é em grande parte responsável pela depressão dos preços agrícolas mundiais em 25% e dos preços dos laticínios em 50%. Enquanto a UE sobretaxa o açúcar brasileiro e seus derivados –tornando uma garrafa de aguardente mais cara que uma de uisque escocês–, ela consegue exportar parte de seus estoques excedentes de vinho, hoje estimados em 5 milhões de litros, a preços subsidiados, para o Brasil para que seja transformado em álcool combustível.
Mesmo com a redução de subsídios patrocinada pela Rodada Uruguai do GATT, a agricultura européia terá um nível elevadíssimo de proteção até o ano 2000 –US$ 2 de subsídios para cada dólar trabalhado, o suficiente para quebrar a maior parte das agricultoras do mundo. Essa situação intolerável é difícil de ser enfrentada pelos países que praticam subsídios menores, e dramática para aqueles que, como o Brasil, não os praticam. Hoje, os países desenvolvidos frequentemente lideram as práticas desleais de comércio.
O Brasil, embora já sofrendo os sérios efeitos dessas práticas, que são tanto mais severos quanto os tempos difíceis porque passamos, ainda não aprendeu a reagir de acordo. O governo é tímido ao lidar com o assunto, ao passo que o empresário a tudo assiste estupefado, mas sem reações desisivas.

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