São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Começa a grande reforma do Estado

LUÍS NASSIF

O governo Itamar inicia o ano com uma clareza inédita sobre os problemas básicos da economia e uma disposição para enfrentá-los que desperta esperanças de que poderá se iniciar ainda este ano a grande reforma do Estado brasileiro.
Dados os antecedentes de instabilidade do presidente, há que se aguardar mais um pouco a confirmação desse quadro. De qualquer modo, já há sinais consistentes de que pode ter se registrado uma reviravolta no estilo Itamar.
O presidente (parece que) deixou de lado a bazófia, seu nacionalismo tardio dos primeiros meses, seguido do pós-liberalismo inconsequente da privatização a qualquer preço e parece ter encontrado seu eixo –a tarefa de livrar o Estado dos interesses políticos, corporativistas e empresariais que o transformaram, historicamente, no grande empecilho à modernização e ao crescimento do país.
Alguns desses sinais são os seguintes:
* A renovação de seu ministério, com perfil notadamente técnico –inclusive com a preocupação de manter a continuidade do trabalho naqueles ministérios comprometidos com reformas estruturais.
É bobagem criticar a ausência de "notáveis". Notável é o homem público que se dispuser a engrossar as fileiras dos que batalham pela cidadania e pela modernização administrativa, contra o jogo político tradicional. Não esses acadêmicos –que a parte festiva da elite paulista denomina de "notáveis" –mais empenhados em ganhar uma "boquinha" do que se constituir em fator de transformação. Seu papel tem sido, quase invariavelmente (com exceção de um ou outro Adib Jatene) o de alugar sua "notabilidade" para o governante de plantão, seja ele fisiológico ou corrupto.
* Constituição da Comissão de Descentralização, incumbida de definir, de maneira negociada com Estados e municípios, o desenho final do novo federalismo brasileiro.
Trata-se de um passo gigantesco, para libertar a União, esvaziando-a de suas funções operacionais e, ao mesmo tempo, reforçando seu papel de planejamento, coordenação e fiscalização.
* Enfrentamento destemido da questão das minorias privilegiadas do serviço público.
Ao mesmo tempo em que o governador paulista, Luiz Antonio Fleury, recorre a expedientes de governantes fracos –aumentando injustificadamente privilégios de categorias com maior poder político (como juízes e procuradores) em detrimento daquelas que prestam atendimento direto à população (como os professores ou a rede estadual de saúde)– a Secretaria da Administração Federal e o Ministério do Planejamento dão início a uma luta heróica para enquadrar os privilégios dos cardeais federais.
* Constituição de uma comissão incumbida de fiscalizar crimes no Executivo, com a participação de figuras de destaque da sociedade civil.
Dentre os membros da Comissão existem pessoas –como o jurista Fábio Konder Comparato– há tempos empenhados em repensar estruturalmente o Estado. Se a Comissão for além da mera missão punitiva, poderá fornecer à Seplan e à SAF idéias relevantes para aprimorar o redesenho federativo. Um executivo de peso, com ampla experiência gerencial, auxiliaria em muito nesta tarefa.
Esta semana o governo assina com os primeiros quatro Estados a transferência das verbas de saúde, dentro de um modelo inédito de controle civil sobre verbas que historicamente eram apropriadas por esquemas políticos ou corruptos. Agora este modelo poderá ser estendido às demais áreas sociais.
Tais fatos prenunciam um ano importante, apesar dos percalços na conjuntura econômica. Deve-se apenas tomar o devido cuidado para não permitir que meros expedientes conjunturais –como a tal da URV– desviem as atenções gerais da grande batalha institucional de se reformar o Estado brasileiro –que parece ter, no presidente, um aliado.
O presidente poderia ampliar sua contribuição ao país se tratasse o Ministério da Indústria e do Comércio com o devido respeito –indicando um ministro, não político, comprometido com os princípios de política industrial, de competitividade e qualidade, para não abortar o movimento de renovação implantado pelas câmaras setoriais.

Texto Anterior: Comércio desleal quebra
Próximo Texto: Produto natural ganha espaço
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.