São Paulo, terça-feira, 11 de janeiro de 1994
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Crime e política

JANIO DE FREITAS

O tratamento dado por certos políticos e meios de comunicação ao assassinato do sindicalista Cruz Júnior anuncia, com antecipação já por si eloquente, a ferocidade que seremos obrigados a testemunhar na próxima campanha de sucessão presidencial.
Os acontecimentos de 89 não motivaram os dirigentes políticos, nem as altas instâncias judiciais que controlam a mal denominada Justiça Eleitoral, para a adoção de medidas inibidoras de atitudes antidemocráticas em disputas eleitorais. Numerosos fatores se conjugaram, naquela ocasião, para manter metade do eleitorado imobilizada pela perplexidade e pelo sentimento de impotência. Salvaram-se, assim, as aparências de democracia política e de eleição por voto direto. Mas as relações entre sociedade e política mudaram muito de então para cá. E não se sabe, embora não haja dificuldade em imaginar, que lições aquela metade do eleitorado extraiu, ou extrairá, da experiência que sofreu em 89.
O prenúncio da campanha é grave. As acusações de participação no sequestro de Abílio Diniz, que só na disputa do segundo turno foram dirigidas contra Lula e o PT, em 89, agora encontram sua nova versão com antecedência de 10 meses em relação ao primeiro turno de 94. As personagens, no rol de acusadores e de acusados, são as mesmas com uma só exceção, – Collor. E outra vez se percebe, tão cedo ainda, que a atitude de quem devia ser autoridade é, apenas, a de parte interessada no que acontece e no que vai acontecer eleitoralmente.
O governador Luiz Antonio Fleury, cuja política tem a responsabilidade teórica de esclarecer todas as circunstâncias do crime, interveio na Secretaria de Segurança para entregar a investigação ao único que dela não podia se incumbir: o delegado sobre o qual pesaram, em 89, acusações de haver vestido sequestradores de Abílio Diniz com camisetas da propaganda de Lula. Se a polícia de Fleury, supondo-se que a explicação da escolha fosse a competência do escolhido, não tem sequer outro delegado com a mesma qualidade profissional, a ponto de ter o governador que interromper as férias do seu preferido, então está decretada a autofalência de Fleury como administrador da ordem e da segurança pública. Logo, como governador mesmo. Tanto mais que a atual polícia paulista esteve sob sua direção como Secretário de Segurança do governo Quércia, condição de que se valeu para engrossar as denúncias criminosas a Lula e ao PT no sequestro de Diniz.
A possibilidade de motivação política do crime, ainda que por decisão estritamente pessoal, deve ser investigada na mesma medida das outras possibilidades, as já levantadas ou não. A intervenção do governador e as declarações do seu escolhido, porém, transpiram fins do mesmo gênero que motivou a farsa em torno do sequestro de 89, ela própria uma tentativa de sequestro da inocência alheia e com propósitos não menos sórdidos, se não muito mais.
O tratamento dado por certos políticos e meios de comunicação ao assassinato do sindicalista, com acusações terríveis baseadas só no interesse político-eleitoral dos acusadores, antecipa uma campanha que não se sabe a que levará. Se não houver, em tempo, algum tipo de providência dos dirigentes políticos responsáveis e democratas, mesmo que seja apenas informal, os fatos antidemocráticos da disputa de 89, que deviam servir de lição para o aprimoramento político, vão servir de inspiração aos falsos democratas, na esperança de que produzam o mesmo êxito de 89.

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