São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
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O pau comeu entre os que ficaram de fora

MARCELO PAIVA

Especial para Folha
Um pavio foi aceso lá pela década de sessenta, a tão famosa década sobre a qual tanto se escreve, e que, pelo jeito, não vai terminar nunca. A astrologia provavelmente explica por que tanta coisa aconteceu em tão pouco tempo; um planeta para lá de Peixoto deve ter cruzado os céus, entre 67 e 68.
Enquanto Janis Joplin imitava sua empregada negra, Jimmy Hendrix acendia outro, Jimmy Page quebrava a corda da guitarra, e Tom Zé saía do sertão, Zé Celso comprava fígado no açougue, Caetano e Gil arrumavam um fiador para o apartamento da avenida São Luís, Glauber lia "Grande Sertão", e Jim Morisson acordava de ressaca.
Mick Jagger lambia os beiços na TV e fazia cara de mau e o cabelo de John Lennon cresceu tão rápido quanto os pêlos sob os braços das garotas francesas, as quais Godard papou algumas, perguntando antes: "Você tomou sua pílula?"
Depois, Jim Morrison dormiu bêbado, Jimmy Hendrix acendeu outro, Angeli brigou na escola, Xuxa comprou sua primeira boneca, o Capitão Asa continuou sentado, e National Kid matou quarenta e três incas venusianos (uns ETs mexicanos).
Antes, Regina Duarte olhou para as câmeras e perguntou: "Eu estou aqui?" Quanta animação... Durante, Nelson Rodrigues implicou com o cardeal, Chico Buarque ganhou mais um festival, e os vietcongues cavaram túneis. No Frevinho, pediam sorvete para o garçom que está lá até hoje. Mais uma Apolo foi pro espaço, e mais um Kennedy, idem. Foi uma década e tanto.
*
Um pavio foi aceso no meio estudantil, lá pela década de sessenta. Os vestibulares não eram competitivos, mas qualificativos. Se o sujeito tirasse uma nota acima da exigida (chamava-se "nota de corte"), estava dentro. Se os aprovados ultrapassassem o número de vagas, ficavam de fora os "excedentes", que esperavam um remanejamento, até serem encaixados.
Em 67, o governo ignorou os excedentes, que acamparam em protesto na USP e em outras universidades. O pau comeu. Sabe-se que, em seguida, muitos dos excedentes aderiram à guerrilha. De lá para cá, estudantes cordeirinhos acreditam que, na história do Brasil, sempre existiram cursinhos e vestibulares, e que nada vai mudar. Fazer o quê?

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