São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
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Prince é o último dos moicanos do lado B

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Prince jurou no último ano que não iria mais gravar discos em estúdio. Pode ser mais um blefe do feiticeiro de Minneapolis e um dos livres-docentes em estúdio de gravação criados pelo pop. Se estiver falando sério, porém, a coletânea em três CDs "The Hits/The B-sides", recém-lançada pela Warner nos EUA –e no Brasil via importação–, assume tons de relíquia e réquiem. Só falta Prince declarar sexofobia no próximo dia 7 de junho, quando estará completando 35 anos de idade, 16 deles passados diante de uma mesa de equalização.
A repulsa do manipulador à manipulação sonora só esconde um motivo. O músico colidiu com o tempo. Seu impasse acomete os inventores: como não se repetir num campo do qual já se tirou quase todas as consequências e onde tantos astros foram beber?
Michael Jackson e Madonna, por exemplo, rapinaram suas poções. Cada um a seu modo, esgotaram o assunto. Jackson se apropriou do "efeito panqueca" das mixagens princianas. Discos como "Bad" e "Dangerous" estão carregados daquela polifonia de samplers e sons sintetizados típica de Prince.
Madonna, esta cravou os dentes na novidade comportamental introduzida pelo músico. Foi Prince, e não ela, que inseriu na "mainstream" da música pop as perversões sexuais, o erotismo sem meias palavras e o gesto transgressor.
Prince elevou o nível e o tesão da dance music. Tornou-a objeto de alta voltagem erótica e informação sonora. A compilação ajuda a sustentar o argumento. Os três CDs enfeixam 56 faixas, quatro delas inéditas e 18 lados B de "singles" com músicas não incluídas nos catorze álbuns do músico. Os dois primeiros trazem sucessos e inéditas. O último é só das composições expurgadas por Prince (leia texto ao lado).
A coletânea fornece uma visão de conjunto da obra do artista. O ouvinte percebe a evolução de uma linguagem e a aventura estética de uma vida. E não há dúvida: Prince foi o maior astro negro dos anos 80.
Desde o primeiro sucesso, o funk "Soft and Wet", de 1977, ele pasmava pela temática "X-rated". Se em Madonna o erotismo camufla a falta de música, ele toldou a alta qualidade em Prince.
O músico gozou do auge há onze anos, com "Purple Rain", disco que ainda surpreende por esconder pepitas, como o rock "Let's Go Crazy", precursor de Living Colour em riff negro e gingado. O sinfonista do funk eletrônico se faz sentir em faixas como "1999", de 1984. Melodias bem armadas aparecem em duas gravações ao vivo inéditas, realizadas em 1992: "Pink Cahsmere" (gravação de 1992) e "Nothing Compares 2 U", música de 1984 só "hypada" em 1988 pela cantora Sinéad O'Connor.
Clássico precoce, Prince foi o último inventor vindo da era do vinil. Fez a ponte do disco dos anos 70 para a dance dos 90. Seus álbuns calham aos dois lados do disco preto e perdem um pouco do charme nas versões em CD. Eis o impasse. Prince não pode ser o tempo todo demônio analógico no olho do furacão digitalizado dos modismos em espiral. Mas um dia ele quebra o juramento.

Título: The Hits/The B-sides
Músicos: Prince e bandas The Revolution e The New Power Generation
Produtor: Gregg Geller (compilação)
Lançamento: Warner (importado, álbum triplo)
Quanto: Cr$ 7 mil (o CD, em média)

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