São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
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Doces Bárbaros eletrizam a Mangueira

MARCELO TAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O show "Doces Bárbaros" na Mangueira foi o que a gíria futebolística chama de "amistoso". Um jogo-exibição, não um jogo de campeonato. Mesmo assim, aconteceram lances arrebatadores como numa final, um show de bola inesquecível. A emoção começou já na entrada dos homenageados ao palco. A cortina, uma bandeira gigante da Escola de Samba, se abriu solenemente e os quatro super-astros entraram recepcionados por um corredor polonês de baianas e pétalas de rosa. Gal e Bethânia abriram o espetáculo, acompanhadas apenas pelos violões de Gil e Caetano. De perfil para a platéia, olhando nos olhos, elas cantaram "Esotérico", de Gil.
Não foi um show dos quatro em conjunto. E sim curtas apresentações de cada um deles, cantando um repertório de quatro músicas, solo ou em duplas. Os quatro só voltaram a se encontrar no palco para encerrar a noite com "Os Mais Doces Bárbaros", de Caetano e Gil; e "Exaltação à Mangueira", de Enéas Silva e Aloísio Costa.
Bethânia e Gil pareciam em casa e foram os protagonistas dos momentos mais emocionantes da noite. Bethânia se mostrou a mais universal e atemporal dentre os baianos. Acompanhada por sua banda, eletrizou o barracão de zinco da verde-rosa abrindo o seu pocket-show com "Emoções", de Roberto Carlos. Enquanto as mesmas baianas da abertura apareciam na platéia, agora distribuindo botões de rosa de várias cores. Estática, vestido longo branco com pedrarias, cabelo crespo triangular como um véu sobre a cabeça, Bethânia parecia em simetria e sinergia com Nossa Senhora da Glória, a padroeira da Escola, que assistia tudo de dentro de uma caixinha de vidro cheia de luzinhas coloridas no fundo do palco.
Gil, de T-shirt verde e uma espécie de bombacha baiana, parecia um molequinho do morro que tinha visto Papai Noel Rosa. Foi quem escolheu o repertório mais adequado ao templo do samba carioca: "Mundo de Zinco", de Wilson Batista e Nássara; "Barracos" e a apoteótica "Aquele Abraço", ambas dele próprio. Ainda, esquentou com gritos estridentes e alegres o dueto com Gal em "Bumbo da Mangueira", de Benjor. E tocou fogo no morro, juntamente com Caetano, na oludúnica "Nossa Gente", de Roque Carvalho, mais conhecida com o "Avisa Lá Que Eu Vou".
Mais contido, de blazer verde, colarinho abotoado e cabelo penteado tipo sambista das antigas, Caetano Veloso mostrou a canção que havia composto no dia anterior em homenagem à Mangueira. Diz a letra que a Bahia é a "Estação Primeira do Brasil". E que a Mangueira é o lugar "onde o Rio é mais baiano". Deve ser mesmo. Guardadas as diferenças de fuso horário e as discrepâncias de proporção, a ida dos quatro baianos à quadra da Mangueira lembrou a ida dos Beatles ao Castelo de Windsor. Só que lá, a Rainha da Inglaterra não dançou rock. E aqui, dona Zica sambou a noite inteira.
Assim como já tinha acontecido antes no show "ParaTodos", que Chico Buarque apresenta no Canecão, dentro do barracão da Estação Primeira, no sopé do morro da Mangueira, o público experimentou momentos de intensa sintonia com o Brasil. Parece que a música popular está conseguindo captar e comunicar fatos que já não cabem mais nas páginas de jornal nem nas telas da TV.

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