São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
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FHC sabe javanês

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Docemente constrangido, rubro de modéstia como um personagem de Nelson Rodrigues, o ministro da Fazenda admitiu o que todo mundo –ele próprio em primeiro lugar– sabia: se for "necessário", será candidato à sucessão de Itamar Franco.
Foi recebido com foguetório em Goiânia e já está distribuindo cestas básicas. Até aí tudo bem. Pior é o discurso: ele fala como se fosse oposição, esquecendo-se de que é a principal posição do caos econômico que marca a situação. Tudo o que fala, politicamente correto é claro, ficaria bem em qualquer boca, menos na dele. Afinal, é nele que o governo colocou a responsabilidade de combater a inflação, a sonegação, a recessão e (para rimar) a esculhambação que paira sobre a vida da nação.
FHC lembra aquele homem que sabia javanês do conto de Lima Barreto. Precisavam de alguém que soubesse javanês, o cidadão apresentou-se e foi aceito. Como ninguém sabia javanês, ele ganhou fama e espaço na mídia: era o homem que sabia javanês e pronto. Comia de graça as empadinhas de camarão na Colombo, era recebido nos salões, dava palpites sobre qualquer assunto. De um homem que sabe javanês esperam-se coisas formidáveis. Exercia mais do que um ofício circunstancial: era um sacerdote, um mago, um oráculo –tudo porque sabia javanês.
A única diferença entre FHC e o personagem do conto é que o homem que sabia javanês sabia que não sabia javanês. FHC é o primeiro a acreditar que sabe javanês.
Esquecendo a ficção e enfrentando a realidade: o único trunfo do ministro em ter chance como candidato depende da queda da inflação. Ela só virá, agora, através de um truque igual ao do Plano Cruzado ou do Plano Collor, feitos para durar dois ou três meses. Tanto um como o outro foram uma espécie de cesta básica para tapiar a fome também básica de imensa legião de esfomeados crônicos.
O açodamento de FHC pelo poder já lhe trouxe o vexame da Prefeitura de São Paulo, quando sentou-se antes do tempo numa cadeira que não era dele. Jânio Quadros dedetizou aquilo que ele chamava de "curul" –e isso me dá uma suspeita: talvez Jânio Quadros soubesse javanês.

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