São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
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Brasil, um escândalo sem mordomos

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Diz-se do cidadão despolitizado que é um alienado. Pode ser. Mas no Brasil dos escândalos vive melhor, mais feliz, o cabeça oca. Tomo por mim que, por dever de ofício, não posso dar-me ao luxo de permitir que os neurônios danem a flanar.
Ainda ontem, cabeça sobre o travesseiro, flagrei-me com insônia. Poderia ter-me entregue à reflexão sobre a importância da perna no cotidiano da centopéia. Ou simplesmente ter iniciado uma contagem de carneirinhos. Qual nada. Pus-me, vejam só, a comparar escândalos.
Súbito, veio-me a primeira semelhança abjeta: os maiores escândalos brotaram do nada. Não nasceram da fiscalização de um poder sobre o outro. Tampouco foram arrancados do subterrâneo pelas mãos de uma autoridade preocupada com a saúde dos cofres nacionais.
O primeiro veio à tona pelo desabafo de um irmão traído em seus interesses. O outro, pelas inconfidências de um criminoso, à busca de crime maior que desviasse o lume das televisões para outro foco. Ante a conclusão de que o dinheiro público está tão seguro quanto os bolsos de alguém que se aventure a cruzar a praça da Sé, me ocorreu mergulhar em Nelson Rodrigues que, à cabeceira, vinha em meu socorro.
Escorreguei os olhos até o trecho em que o conto "Mulheres" traz à baila "uma preta gorda, imensa, de busto ilimitado". Assaltou-me a imagem de Roberto Jefferson. Não pela cor ou pelo sexo da personagem, mas por sua robustez. Notei que Nelson Rodrigues, nem mesmo ele, seria capaz de desviar-me a consciência. Em segundos, Roberto Jefferson ocupava todo o espaço do meu cérebro. Pela vez segunda, invejei os cabeças-de-vento, livres da agonia do pesadelo que dispensa o sono.
Peso pesado do exército de Fernando Collor, o deputado levantou do banco da CPI leve como um pardal. Os elogios assentaram-lhe como um atestado de honestidade. O oposto do ocorrido com Ibsen Pinheiro, ex-mocinho do Collorgate. Reduzido a um fiapo, Ibsen exibe a desenvoltura de um hipopótamo atolado na lama.
Veio-me a segunda conclusão: O cotidiano do país ganhou a dinâmica de um romance policial de boa qualidade. Não se deve atribuir culpa apressada ao mordomo. Antes, convém desconfiar de todos. A política de nossos dias anda armada e age nas caladas. Rouba-nos até o sono.

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