São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Risco e incerteza no caminho da estabilização

EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com a conclusão dos trabalhos da CPI do Orçamento, as atenções se voltam agora para a implantanção do Plano FHC e a revisão constitucional. Os desafios básicos são dois: 1) atravessar o período que nos separa das eleições de outubro próximo sem um descontrole inflacionário pior ou igual àquele vivido no final do governo Sarney; e 2) criar condições de governabilidade para que o próximo presidente eleito, seja ele quem for, possa estabilizar de vez a economia e recolocar o país na rota do crescimento.
O pano de fundo para a implementação do Plano FHC não é dos mais auspiciosos. O nível de atividade permanece aquecido e, o que é mais preocupante, a inflação de janeiro vem registrando uma nítida aceleração, devendo fechar o mês ligeiramente acima dos 40%. A expectativa é que isso represente "apenas" uma nova mudança de patamar, completando o movimento de alta iniciado com o salto da inflação em dezembro. Para o Plano FHC, é crucial que esta tendência à aceleração não volte a se repetir de fevereiro em diante.
A elevação da inflação nos últimos dois meses mostra que o ritmo do aumento de preços na economia brasileira parece mesmo seguir um padrão marcadamente sazonal. Se é verdade, como apontou o "Financial Times", que o gráfico das taxas mensais de inflação no Brasil se assemelha ao eletrocardiograma de uma pessoa sofrendo sucessivos infartos, pode-se dizer também que existe uma certa ordem nesse caos. Nossos infartos não se distribuem de forma aleatória ao longo do ano, mas tendem a se concentrar fortemente num dado período do calendário gregoriano. Virada de ano é sinônimo de forte pressão inflacionária.
Entre os fatores que contribuem para isso estão: o aumento abrupto da massa salarial com o pagamento do 13.º salário; a orte concentração da liberação e desembolso de verbas públicas nos últimos meses do ano; o aquecimento da demanda motivado pelas festas de fim-de-ano; e o malfadado hábito de sucessivos governos de anunciar, a cada final de ano, pacotes fiscais de emergência para cobrir o rombo do Orçamento para o ano seguinte –prática que já se tornou uma verdadeira praga de início de verão no Brasil.
Ao lado de tudo isso, dois outros fatores alimentaram a aceleração da inflação nos últimos meses. O primeiro deles foi a espantosa explosão da base monetária verificada em dezembro. O aumento da base, segundo o Banco Central, foi de 84% pela média dos saldos diários, o que significa uma expansão de cerca de 34% acima da taxa de inflação de dezembro. Essse resultado reflete, além de fatores sazonais, a dificuldade encontrada pelo BC de vender títulos para o setor privado de forma a neutralizar, pelo menos em parte, o impacto monetário provocado pelo ingresso de US$ 2,6 bilhões de capitais externos somente no último mês do ano.
O outro fator aparentemente responsável pela aceleração inflacionária na virada do ano foi a própria divulgação do Plano FHC. A inflação brasileira é governada, pelo menos no curto prazo, pelas expectativas dos agentes quanto ao futuro. Sabe-se, por exemplo, que qualquer perspectiva de congelamento de preços deflagra um comportamento defensivo de reajustes preventivos que, por sua vez, elevam a inflação às alturas. Qualquer anúncio –ou prenúncio– de mudanças nas regras do jogo tende a provocar um reposicionamento dos jogadores. A iniciativa de alguns é a senha para a ação dos demais.
É plausível supor que a expectativa criada em torno da criação de um indexador diário atrelado à variação cambial (URV), como medida preparatória para uma reforma monetária mais à frente, tenha levado os agentes a rever suas práticas e encurtar os intervalos de remarcação de preços. Infelizmente, é impossível saber até que ponto isso teria de fato contribuído para a aceleração inflacionária na virada do ano. Uma coisa, no entanto, parece certa: a operacionalização do Plano FHC será uma tarefa repleta de riscos e armadilhas.
Um primeiro problema é a execução orçamentária. Mesmo que o Congresso aprove um orçamento precariamente equilibrado para este ano, nada garante que ele será de fato executado. Equilibrar as contas públicas no papel é mais fácil do que equilibrá-las na prática. A experiência sugere que as eleições de outubro deverão exercer uma formidável pressão sobre os cofres públicos. A permissão para que candidatos fiquem nos cargos que ocupam até a data da eleição certamente agravaria ainda mais o problema.
Ao mesmo tempo, tudo indica que o Executivo não dispõe de mecanismos eficazes de controle sobre os bancos oficiais e sobre os gastos do setor público como um todo. Nessas circunstâncias, é duvidoso que a pré-condição básica definida pelo próprio Plano FHC, para que ele possa obter êxito, venha a ser de fato preenchida. Por melhor que seja o resultado da negociações com o Congresso, o fato é que o tamanho do ajuste fiscal requerido, sua duração no tempo e a credibilidade quanto a sua efetiva implementação no futuro ultrapassam em muito aquilo que o atual governo tem condições de conseguir.
Quanto às etapas seguintes do Plano FHC, muitas dúvidas ainda estão por ser esclarecidas. Uma questão crucial é saber o que deverá acontecer com a inflação em cruzeiros reais após a introdução e disseminação da URV na economia.
A equipe econômica parece acreditar que o impacto da URV será, no máximo, uma pequena aceleração da inflação em cruzeiros. Talvez o efeito inflacionário da URV já tenha se esgotado com o anúncio do plano. É possível. Mas e se não for só isso? Com uma inflação alta, mas estável, a conversão dos preços em cruzeiros para a nova moeda, no "dia D" da reforma monetária, será uma tarefa extremamente delicada. Com inflação em alta, o risco é ainda maior.
A aceleração inflacionária desarruma o sistema de preços e seria, portanto, um péssimo ambiente para a reforma monetária, aumentando muito a probabilidade de que a inflação na nova moeda venha a ser, desde o início, muito elevada. O problema é que se houver uma forte aceleração da inflação após a adoção da URV, a pressão para que o governo "faça alguma coisa" será intensa. Uma precipitação nessa hora reduziria dramaticamente a vida útil do Plano FHC.

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