São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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O renascimento do Brasil

LUÍS NASSIF

O renascimento do país
A cada novo escândalo que explode, e resulta em novo avanço institucional, mais solidamente se consolida a fé no Brasil.
Poucos anos atrás, como sustentar o orgulho de ser brasileiro? Evocando os pais da pátria? As viagens dos Andradas, de Feijó, Vergueiro e companheiros a Lisboa, rompendo com o parlamento português e lançando as bases da Independência? Os movimentos que levaram à República? O tenentismo, a coluna Prestes, a Aliança Liberal?
Como recorrer a estes panteões da pátria, que nos legaram a corrupção do poder político, o atraso institucional, a utilização do Estado como instrumento de opressão por parte de uma elite atrasada e irresponsável?
Nos últimos anos, o peso da vergonha se abateu mais sobre o país, ante a cena de parlamentares comprados com concessões e verbas públicas para entregar cinco anos de mandato a um presidente sem compostura. Ampliou-se quando chegaram os de Alagoas, com a falta de limites, a arrogância escrachada, expondo sua privacidade com um narcisismo exacerbado e obsceno.
A fuga dos poetas
A vida nacional exauriu-se. Literalmente. Os grandes poetas da música popular, que expressavam como ninguém os sonhos de sua geração, puseram a viola no saco e se embrenharam em um niilismo que se temia sem retorno.
Ao constatar que os princípios éticos, defendidos por nossos pais, haviam sido derrotados pelo oportunismo e pela corrupção ilimitada, o sentimento profundo de fracasso não poupava a ninguém –dos trabalhadores do ABC aos grandes banqueiros.
Morreu o cinema, sepultado pela falta de recursos e de imaginação. No teatro, havia lugar apenas para o escracho. A visão de aventureiros, se enriquecendo às custas dos contribuintes, era fatal para o amor próprio nacional.
Nesses tempos de profunda vergonha, o sentimento de ser brasileiro sustentava-se apenas na lembrança da parte da vida nacional que não foi contaminada pela instrumentalização do Estado. Buscava-se a força em Calado, Chiquinha, Nazareth, Pixinguinha, não em Deodoro, não em Getúlio, Prestes ou Ulisses.
Reconstruindo o orgulho
Pouco a pouco, do fundo do poço, a vergonha foi dando lugar à ansiedade de se reconstruir o orgulho nacional. Em lugar do ceticismo, floresceu a convicção de que um país se constrói com o trabalho individual, porém ético e solidário, de cada um de seus cidadãos.
Sob esse sentimento, iniciou-se a reconstrução do orgulho nacional, pedra sobre pedra, luta sobre luta, tendo como primeiro resultado a queda de um presidente.
Alguns espertalhões da República julgaram estar manipulando mais uma vez os sentimentos populares, como fizeram na proclamação, em 1930 ou na campanha das diretas. Acabaram engolidos pela esperteza: a onda de modernização e de construção da cidadania já era irreversível e resultou na CPI do Orçamento.
Como aves de arribação, nossos poetas foram retornando. Primeiro, Caetano e Gil, depois Chico. Revolucionários musicais de outros tempos, irmanavam-se na celebração afetiva de serem brasileiros.
No dia em que se escrever a história destes tempos inesquecíveis, se verá na "Tropicália 2", com seus sambas nostálgicos, seus baiões estilizados –mas quase convencionais– ou na denúncia da miséria haitiana através de um rap, o avesso do avesso, a reconciliação sentimental dos poetas com o país.
Descansar em paz
A luta está apenas se iniciando –e será árdua. Falta desmontar o aparato empresarial que corrompeu o Estado. Depois do exemplo do Congresso, o país aguarda agora que o Judiciário, o Ministério Público, a estrutura sindical, as universidades, as corporações públicas e privadas, as corporações de profissionais liberais, Estados e municípios espanem a poeira e dêem sua contribuição efetiva aos novos tempos, iniciando sua própria modernização.
Nossos mortos já podem descansar em paz. Não serão mais alvo de apelos desesperados de uma nação agonizante. Serão boas lembranças a impulsionar um país que começa a encontrar seu caminho.

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