São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Seis razões contra o pessimismo

ANTONIO KANDIR

O plano já atravessou seu pior momento. As negociações do ajuste fiscal no Congresso estão bem encaminhadas. Ainda que a comissão especial não tenha acolhido todas as medidas enviadas pelo Executivo e mesmo sabendo que novas dificuldades podem surgir no momento da votação em plenário, parece provável a aprovação de um Orçamento que dê à sociedade o sinal de que não haverá descontrole das contas públicas em 1994.
Se houve aceleração da inflação nas últimas semanas e efetivamente ela ocorreu, a aceleração não foi tal a tornar inviável a introdução da URV, havendo, além disso, boa perspectiva de estabilidade na trajetória dos preços para os próximos dois meses, decisivos para o êxito do processo de estabilização.
Sem minimizar dificuldades, penso assim que há razões contra o pessimismo fatalista. Não existe no horizonte ameaça de descontrole do processo inflacionário, em contraste com a situação vivida em 1989, quando o país caminhava celeremente para a hiperinflação.
As diferenças básicas são as seguintes: 1. a situação fiscal é bem mais confortável; 2. o nível das reservas internacionais é incomparavelmente mais elevado; 3. a dívida mobiliária interna é não apenas menor (7,3%, contra 11,4% do PIB ao final de 1989), como também menos concentrada no curtíssimo prazo (em 89, 98% da dívida em poder do público estavam em LFTs, papéis que previam repactuação diária dos juros).
Nesse quadro, eram mínimos os graus de liberdade da política monetária, pois toda elevação da taxa real de juros contaminava o conjunto da dívida mobiliária, agravando a já precária situação fiscal e jogando mais lenha na fogueira da inflação. O Plano de Verão, de janeiro de 1989, foi presa desse impasse: tentou sustentar o congelamento de preços com taxas reais de juros nas nuvens; depois de pouco tempo tornou-se flagrante que não havia lastro fiscal para a política monetária: as taxas reais de juro retrocederam e os preços explodiram.
A comparação com 1989 é interessante para analisar o terreno em que se move atualmente a política monetária e o raio de manobra que o Banco Central terá na passagem para a URV. Embora o impasse verificado de modo crescente no correr de 89 não se tenha resolvido plenamente, é preciso notar que ele não tem mais a mesma dramaticidade, visto que hoje o prazo médio de vencimento da dívida mobiliária em poder do público é de aproximadamente três meses.
Mais importante, no entanto, é observar as circunstâncias políticas em que se desenrola mais esta tentativa de estabilização.
Por força do escândalo do Orçamento e do impulso de investigação que dele decorre, está hoje na defensiva um dos atores tradicionalmente contrários aos esforços de estabilização: a frente única dos políticos fisiológicos, que se opõe à estabilização porque esta implica controle das finanças públicas e cria obstáculos às suas relações de troca espúria com financiadores e clientelas eleitorais. Para completar, há sinais concretos de que poderá haver melhoria na qualidade do crédito público, em virtude dos efeitos da CPI do Orçamento sobre o gasto futuro do governo e dos movimentos iniciais da Revisão Constitucional, que apesar dos percalços parece que vai deslanchar.
Fica assim mais fácil financiar de modo não inflacionário pequenos déficits fiscais que eventualmente venham a se verificar no ano de 1994, razão para que se acalmem os que tenham espírito contábil mais aguçado.
Em suma, são seis as razões que desautorizam o pessimismo militante: 1. situação fiscal sob controle; 2. nível elevado das reservas; 3. dívida interna menor que em 1989; 4. dívida interna mais longa que em 1989; 5. fisiologismo na defensiva; 6. revisão constitucional em andamento.

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