São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Casagrande volta com rebeldia controlada

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele voltou. Não como o boêmio do samba-canção, nem como rebelde metaleiro lá da Penha, né meu, como o cabelo pode sugerir. Walter Casagrande Jr., 30, pode voltar hoje ao Corinthians após sete anos na Itália e seis meses de Rio de Janeiro com uma "rebeldia mais controlada", como diz à Folha. Explica-se o condicional: ele sofreu uma contusão na coxa direita e pode ficar fora da estréia.
Culpe a Itália se não gostar da tal "rebeldia controlada". Foi lá que ele diz ter adquirido frieza e responsabilidade. Tanto que ganhou o apelido de "alemão". Há também motivos extracampo na guinada. Casagrande está casado e tem três filhos. Não parou de fumar, mas trocou os dois maços diários por três cigarros Carlton.
Ele mesmo diz que o Casagrande dos anos 80 - o artilheiro da "democracia corintiana" preso com três gramas de cocaína em 1982 e depois absolvido por falta de provas - e dos 90 são pessoas distintas. "Às vezes o Casagrande de antigamente assusta o de hoje."

Folha - Por que voltou? Voltou por quê?
Walter Casagrande Jr - Quando decidi voltar da Itália já tinha intenções de vir para o Corinthians e para o São Paulo. Mas o Corinthians estava disputando a final do Paulista e queria esperar. Aí o Flamengo apareceu. Depois seria inevitável vir para o Corinthians.
Folha - Os motivos foram profissionais ou mais afetivos?
Casagrande - Afetivos, né? Sou corintiano, minha família é toda corintiana, nasci no Corinthians, jogo aqui desde os 9 anos, fui bicampeão pelo Corinthians.
Folha - Quanto custou seu passe?
Casagrande - Não acho legal divulgar a parte econômica. Pode ter certeza que foi muito fácil. Foi um preço para o Corinthians.
Folha - Em que posição, afinal você vai jogar: centroavante, último homem do meio-campo ou volante?
Casagrande - Vou jogar como atacante no início, junto com o Viola lá na frente. Mas hoje eu tenho condições de jogar na posição que o treinador quiser.
Folha - Não te incomoda jogar num time cujo técnico se demitiu alegando que sua contratação era desnecessária?
Casagrande - Isso não é verdade. Quem pediu minha contratação foi o Mário Sérgio. Ele conversou comigo aqui em São Paulo, quando jogaram Flamengo e Corinthians. Saímos para jantar. Quando o Corinthians jogou no Rio, saímos de novo. Essa notícia é infundada.
Folha - Que espécie de técnico você prefere: o "ditador" que ganha títulos, como o Telê, ou o democrata que não ganha nada?
Casagrande - O democrata. Trabalhei com um, o Mario Travaglini, e fui bicampeão na época da democracia corintiana. Dou muito valor à liberdade com responsabilidade. Você tem que ter a liberdade de colocar sua opinião sabendo que tem a responsabilidade de desempenhar seu trabalho dentro de campo, ou a responsabilidade de se cuidar fora do campo.
Folha - No Brasil, você cultuou a fama de rebelde e foi até chamado de cafajeste na TV. O que aconteceu na itália, onde sua imagem mudou tanto que você chegou a ser apelidado de "alemão" pela seriedade?
Casagrande - Não mudou nada. Na época em que me chamavam de rebelde ou de cafajeste eu tinha 19 anos, pô! Eu me vestia, falava e tinha um comportamento como o de outro garoto de 19 anos, só que era popular. Isso incomodava os mais reacionários. Hoje eu estou diferente, mas normal. Tenho 30 anos, sou casado, três filhos.
Folha - A Itália não ajudou nada neste processo?
Casagrande - Ajudou, mas o amadurecimento era inevitável. Tenho quase os mesmos ideais de quando tinha 19 anos, mas sou mais paciente e responsável. Tenho uma rebeldia mais controlada.
Folha - Que ideais seriam?
Casagrande - Acredito na liberdade, não acredito em ditadura. Tudo tem que ser conversado. Não aceito discriminação.
Folha - Você jogaria num hipotético time de homossexuais?
Casagrande - Não tem problema nenhum. Não entro no campo para ver se alguém é homossexual. Entro para vencer.
Folha - Qual foi o seu maior aprendizado na Itália?
Casagrande - Profissionalismo. Foi onde eu modifiquei um pouco. Tanto que os caras me chamavam de alemão. Eu tinha pouco sentimento. Vitória ou derrota, eu estava sempre da mesma forma. Virei uma pessoa mais fria.
Folha - Acabou o Casagrande temperamental?
Casagrande - Ainda sou temperamental. mas aquilo lá na Itália era uma proteção. Eu não queria intimidades. Turim é uma cidade muito fria, o povo é frio. É difícil você ver uma pessoa rindo no norte da Itália. Eu me adaptei.
Folha - Está sendo fácil sua adaptação ao Corinthians, onde o clima é o reverso do Torino?
Casagrande - Eu nasci aqui. Minha mentalidade é como a do Corinthians.
Folha - E a adaptação ao estilo de jogo?
Casagrande - Não estou totalmente adaptado, mas tenho uma certa idéia do que é o futebol brasileiro. Joguei seis meses no Flamengo. Sei que o Campeonato Paulista é superdisputado e sei que terei dificuldades. O Brasil e a Europa têm estilos incompatíveis. A velocidade do jogo, a preparação, a forma como o jogador encara a partida são diferentes.
Folha - O que a torcida pode esperar de um jogador de 30 anos, que fuma e já sofreu quatro operações no joelho?
Casagrande - Pode esperar aquilo que eu sempre fiz. Minha condição física hoje talvez seja melhor. Sou uma pessoa mais regrada, tenho horário certinho para almoçar, tomar café, jantar.
Folha - A volta ao Corinthians não seria a pré-aposentadoria?
Casagrande - Muito pelo contrário. É o início da segunda fase da minha carreira. Não é o fim.
Folha - Você foi um dos poucos jogadores a defender o Parreira na seleção. Por quê?
Casagrande - Olhando de longe, achei legal o modo de o Parreira trabalhar. Quando todo mundo queria Palhinha e Cafú, seria muito simples ele colocar os dois e deixar todo mundo contente. É muito simples você ir a favor da correnteza. Em vez disso, ele manteve seu time, absorveu a energia negativa até o fim. É o tipo de personalidade que admiro.
Folha - Você também acha que o Brasil é favorito na Copa?
Casagrande - É um dos favoritos. A Itália é muito forte, a Alemanhã tem tradição, esteve nas finais e semifinais das últimas quatro ou cinco copas. E pode haver surpresas, como a Noruega.
Folha - Quais os pontos fortes do Brasil?
Casagrande - Se nada der errado, se cada jogador jogar o seu máximo na Copa, você tem um grande defensor como o Ricardo Rocha, tem um grande jogador no meio-campo, o Raí, tem o Romário, o Bebeto, o Muller e o Edmundo no ataque. Se a Alemanha estiver no máximo, a Itália no máximo e o Brasil no máximo, acho que ganha o Brasil.
Folha - "A democracia corintiana "deixou alguma herança ou foi só um sarampão político dos tempos da juventude?
Casagrande - Foi um caso isolado, não sei se deixou herança. Acho que os dirigentes mudaram muito depois. Nas épocas antigas, o dirigente olhava o jogador e dizia: "Não dá para a gente conversar. Eu sou inteligente, você é burro". Hoje você senta e conversa. Ganhamos respeito. Onde chegam me tratam diferente por causa da democracia corintiana. Até na Europa sou encarado de outra forma.
Folha - Você continua filiado ao PT ou já se desencantou?
Casagrande - É lógico que estou acompanhando a CPI, mas não tenho partido. O Brasil se encontra em coma tão profunda, está respirando por aparelhos, que não é um partido que vai resolver os problemas.
Folha - É muito pior o Brasil que você encontrou na volta?
Casagrande - Sem dúvida. Tudo piorou um pouco. O que mais me choca é a violência. Está muito fácil matar no Brasil. A crueldade me assusta. Um cara abusa de 600 crianças. No Rio, os caras matam as crianças de rua, outros invadem a favela para matar. Mata-se por um relógio. É assustador.
Folha - Nas duas vezes em que foi preso com drogas, você dizia que era armação da polícia. Por que a Polícia teria interesse em perseguí-lo?
Casagrande - Fui preso uma vez. Na segunda eu era testemunha. Os jornais sensacionalistas usaram meu nome. Desconfio por que fui preso na primeira vez: tinha 19 anos, vivia em shows de rock, fazia parte do PT, participava de manifestações políticas, era artilheiro do Campeonato Paulista. Tudo isso provocava uma certa antipatia: "Esse cara aparece demais, é folgado, muito abusado". Às vezes, eu olho minhas entrevistas dessa época e digo para minha mulher: "Como que eu falava uma coisa dessas?" Às vezes eu me incomodo comigo mesmo.

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