São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Método cria gêmeos idênticos

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois das mães sexagenárias, o próximo passo polêmico da ciência da reprodução humana provavelmente será a fabricação de gêmeos idênticos de proveta sob encomenda. A tecnologia está quase pronta, como demonstrou a divulgação em outubro passado do primeiro caso de clonagem de embriões humanos. E se existem mulheres que querem ser mães aos 60 anos, e médicos como o italiano Severino Antinori dispostos a satisfazer esse capricho, certamente existirão aquelas que vão encomendar gêmeos idênticos a médicos interessados em vender esse serviço.
"Clonar" significa produzir uma célula ou um organismo assexuadamente a partir de uma outra célula geneticamente idêntica, segundo a definição de um dicionário de ciência. "Embrião" é o animal durante o período inicial de crescimento a partir de um óvulo fertilizado. Clonagem de embriões já costuma ser feita com outros animais; uma pequena mudança na tecnologia permite que seja feito com o primata mais numeroso no planeta.
A primeira notícia de um experimento desses não chegou a ser uma revelação bombástica do tipo que a ficção gosta, como a produção em série de Hitlers ou Claudia Schiffers.
A equipe de Jerry Hall, da Escola de Medicina da Universidade George Washington, de Washington, usou embriões defeituosos apenas para testar a técnica de clonagem. Eram embriões que normalmente não seriam implantados em mulheres.
Hall e colegas dividiram 17 embriões, cada um com entre duas e oito células. O principal obstáculo à clonagem é a necessidade de prover cada clone com uma nova zona pelúcida, a membrana espessa e transparente que envolve o embrião. O cientista usou uma espécie de zona pelúcida sintética para proteger suas crias. O resultado foram 48 novos embriões.
O precedente para algum médico começar a produzir gêmeos idênticos a pedido de casais já existe de certo modo. Na fecundação de proveta já tradicional é praxe a instalação de vários embriões (com a produção de vários bebês de uma vez). Isso é feito para aumentar a chance de que pelo menos um se desenvolva. Cada um deles é um indivíduo geneticamente diferente.
O experimento de Hall, divulgado em um congresso científico, tem uma inegável utilidade no estudo do desenvolvimento embrionário. Mas como a ciência "pura" é uma ilusão, também trata-se de algo que poderá ajudar as técnicas de fertilização "in vitro". Ainda é cedo para tirar conclusões sobre a aplicabilidade do estudo. Por exemplo, os resultados mostraram que os embriões com menos células se desenvolveram melhor. O fato de serem embriões defeituosos –eram de óvulos fecundados por mais de um espermatozóide– pode ter influenciado esses resultados.
Para que algum médico entre no ramo dos gêmeos idênticos de proveta será preciso mais pesquisa. Ir além, com a produção seriada de seres idênticos, exigirá ainda mais conhecimento novo. Para evitar abusos, os cientistas se valem dos comitês de ética das instituições em que trabalham (que contam com pessoas de fora da profissão, como foi o caso na pesquisa de Hall). Mas sempre pode surgir algum Antinori disposto a ir um pouco mais além.

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