São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Reino Unido debate o uso de óvulos de fetos

HUMBERTO SACCOMANDI
DE LONDRES

O Reino Unido deve decidir até junho se permite ou não o uso de óvulos retirados de fetos abortados ou de mulheres mortas. Essa técnica pode acabar com a crônica escassez de óvulos para tratamento de fertilidade, mas produz situações inéditas na história da humanidade, como uma pessoa ser filho de outra que nunca nasceu.
"É uma questão muito delicada, pois lida diretamente com a vida e a morte", disse à Folha Flora Goldhill, diretora-executiva do Human Fertility and Embryology Authority ("Autoridade de Fertilidade e Embriologia Humana", HFEA), órgão britânico que controla as pesquisas relacionadas à fertilidade e que envolvem embriões de seres humanos.
"Há um potencial aqui para beneficiar muitas mulheres com um tratamento ao qual elas não teriam normalmente acesso. Mulheres que normalmente ficariam sem filhos poderiam se tornar mães", disse Colin Campbell, presidente do HFEA.
No início de janeiro, o HFEA lançou uma campanha para consulta popular sobre o tema. Um documento esclarece os principais pontos do uso de óvulos extraídos de fetos e mulheres mortas, os prós e os contras. "É uma questão muito emotiva, e queremos fornecer informações para que as pessoas possam julgar isso com clareza", disse Goldhill.
Segundo ela, as muitas variantes tornam a questão ainda mais complexa. "Alguns são totalmente contra o uso desses óvulos. Outros defendem o uso para finalidade de pesquisa, mas não para tratamento de fertilidade. Outros acreditam que esses óvulos podem ser usados para gerar crianças, desde que haja suficiente orientação para os pais", disse.
Prós e contras
Há dois fortes argumentos a favor do uso desses óvulos: mais mulheres poderiam se submeter a tratamento de fertilidade e eles possibilitariam um aumento das pesquisas e, consequentemente, do conhecimento sobre fertilidade e embriões (doenças congênitas, métodos mais eficazes de contracepção, etc).
Os argumentos contra a utilização desses óvulos são de natureza ética ou moral: o ser humano tem o direito de criar vida a partir de uma mulher que já morreu ou que nunca nem chegou a ter nascido? Caso ocorra a fertilização de um desses óvulos, o que impedria que a futura criança sofra de complicações psicológicas desastrosas?
Além disso, há um outro problema: com o eventual surgimento desse tipo de fertilização, poderia nascer um mercado negro de fetos, em que mulheres engravidariam com a única finalidade de abortar e vender o feto para futura utilização.
O HFEA publicou 10 mil cópias de um documento sobre o assunto e distribuiu para instituições e personalidades.
"Temos uma lista com milhares de pessoas e instituições interessados em opinar. Recebemos telefonemas e anotamos ainda a posição de qualquer pessoa", afirmou Goldhill.
Ao final desse período de consulta, provavelmente dentro de seis meses, o conselho do HFEA emitirá uma opinião oficial, com a regulamentação a respeito.
"Se a polêmica persistir, a regulamentação poderá ser votada pelo Parlamento, que tem a palavra final". O HFEA terá então a missão de divulgar e fiscalizar o cumprimento das regras aprovadas.
Enquanto acontece a consulta, os laboratórios e pesquisadores envolvidos suspenderam voluntariamente a pesquisa sobre uso de tecido fetal ou de óvulos de mulheres mortas. "Eles já sabem que tecnicamente é viável, mas não desejam prosseguir as pesquisas sem saber se a técnica será ou não permitida", disse Goldhill.
Segundo ela, nenhuma clínica prosseguiu a pesquisa com o intuito de vender a tecnologia a outros países.
Para Goldhill, a pesquisa na área de fertilidade tem um objetivo mais clínico do que comercial. "Não há grandes interesses econômicos por trás dessas terapias."- (Humberto Saccomandi)

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