São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Gene 'frágil' causa deficiência mental

JEREMY WEBB
DA "NEW SCIENTIST"

Tracey é tímida e retraída. Tem 11 anos e poucas amigas. Costuma sentar-se no fundo da classe. Seu QI é 85, abaixo da média, e ela geralmente tira notas baixas. Muitas meninas como Tracey conseguem completar a escola e seguir adiante com suas vidas.
David tem 15 anos e é deficiente mental, com um QI de mais ou menos 50. As vezes abana ou morde as mãos. Repete a mesma palavra inúmeras vezes. Ele é hiperativo, incapaz de concentrar a atenção numa só coisa por muito tempo. Quando há muitas coisas à sua volta, tem acessos de raiva. David frequenta uma escola especial para crianças que apresentam deficiências moderadas de aprendizado. Provavelmente nunca terá uma vida independente.
Até há pouco tempo não havia nada, em termos médicos, que ligasse o caso de Tracey ao de David. Isso mudou com a descoberta do gene responsável pela "síndrome do X frágil". Essa desordem colocou ambas as crianças no foco de uma discussão acalorada. Crianças como Tracey e David devem ou não ser testadas para verificar se possuem o gene?
Em 1977 os pesquisadores vincularam certos casos de deficiência mental a um ponto "frágil" no cromossomo X. Hoje sabe-se que o "X frágil" é a forma mais comum de deficiência mental herdada, afetando até um em cada 1.200 meninos e uma em cada 2.500 meninas. O gene responsável foi localizado em 1991. Virtualmente todos os homens portadores são mentalmente deficientes. No caso das meninas, aproximadamente um quarto delas também é. Do restante, algumas não são afetadas, mas a maioria tem dificuldades de aprendizado.
Com a chegada dos testes genéticos, pesquisadores estenderam a triagem para incluir crianças com problemas de aprendizado. A equipe de Randi Hagerman, pediatra do Hospital Infantil de Denver (Colorado, EUA), vai testar cerca de mil alunos especiais de escolas estaduais. O objetivo é identificar crianças com o gene, oferecer assistência médica e educacional a elas e aconselhamento genético às famílias. Hagerman também espera conseguir transmitir aos professores informações sobre o X frágil.
O médico e geneticista Paul Billings, da Escola de Medicina da Universidade de Stanford (EUA), que estuda a discriminação genética, acha que eles podem levar algumas crianças e famílias a serem estigmatizadas. Para ele, não se sabe suficiente sobre o gene para justificar a triagem. Ele destaca que a família exerce influência decisiva no comportamento das crianças.
Para Billings, há muitos portadores do gene do X frágil vistos como "normais". Ele acha que as pesquisas devem começar com uma triagem aleatória da população, com uma avaliação de comportamento e inteligência. Desse modo seria possível descobrir até que ponto é válida a conexão entre o gene e o comportamento.
Nachama Wilker, diretora executiva do Conselho de Genética Responsável, argumenta que não existe um tratamento específico para os portadores de X frágil, além do ministrado a outras crianças com dificuldades de aprendizado ou hiperatividade. "Que vantagem o diagnóstico genético pode proporcionar?", ela pergunta.
Um teste de X frágil com resultado positivo já levou uma empresa de convênio médico a retirar a cobertura da criança em questão. Num caso famoso, um convênio descobriu que um dos quatro filhos de Jamie Stephenson tinha X frágil, e a cobertura da família inteira foi cancelada.
Hagerman acha que os testes genéticos podem ajudar as crianças. Diagnosticado o X frágil, é possível convocar os serviços de um exército de profissionais, de professores a médicos, fonoaudiólogos e terapeutas.
Para ela, o diagnóstico também pode ter efeitos negativos –o formulário de consentimento entregue aos pais antes do teste nos filhos avisa que já houve casos em que crianças afetadas perderem a cobertura de convênio. Mas ela destaca que, embora angustiante, o diagnóstico é um alívio para pais que se sentem culpados pela condição do filho.

Tradução de Clara Allain

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