São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Brasileiros se atrasam no debate

MARCELO LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Há quem acredite, como o antropólogo Paul Rabinow, da Universidade da Califórnia, que "a nova genética deverá remodelar a sociedade e a vida com uma força infinitamente maior do que a revolução na física jamais teve". Em todo o mundo, novidades como a clonagem de embriões humanos aumentam as chances de realização da profecia e escancaram abismos éticos que muitas sociedades se esforçam por superar com novas leis.
No Brasil também está em debate uma nova legislação para delimitar o campo de exercício da ousadia científica, mas à distância da opinião pública e mesmo dos mais imediatamente afetados, os pesquisadores. Estes, ao que parece, acabam por se envolver nessa discussão meio por acaso, quando muito por reação a pressões originadas externamente.
Pouca gente sabe, por exemplo, que o Congresso Nacional discute há pelo menos dois anos um projeto de lei (nº 2.560, originalmente de autoria do senador Marco Maciel, PFL-PE) sobre ética e segurança de experimentos biológicos. Aprovado pelo Senado Federal, ele foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde o relator da Comissão de Seguridade Social, deputado Sérgio Arouca (PPS-RJ), apresentou um substitutivo (ou seja, introduziu modificações).
Na versão de Arouca, o projeto estipula em apenas 15 artigos regras e proibições abrangentes, envolvendo campos tão diferenciados quanto produção de embriões humanos, patentes para genes, terapias genética e modificação genética de animais. Além disso, pelo menos em relação aos dois primeiros itens, conflita ou se sobrepõe a outros regulamentos.
Prova de que o texto resulta de uma iniciativa isolada é o fato de que entidades de classe dos biólogos, geneticistas e bioquímicos moleculares ficaram sabendo de sua tramitação literalmente por acaso. Segundo Noemy Tomita, 58, presidente do Conselho Regional de Biologia de São Paulo, foi somente no início do ano passado, em suas "andanças" pelo Congresso para acompanhar o polêmico projeto de lei sobre patentes, que tomou conhecimento da iniciativa de Marco Maciel (aprovado pelo Senado em 1991).
Mobilizados para discutir o projeto de lei, representantes do Conselho Federal de Biologia e das sociedades brasileiras de Genética e de Bioquímica e Biologia Molecular chegaram à conclusão de que ele estava "eivado de falhas e erros conceituais" e revelava "uma visão arcaica do problema". Nova reunião examinou o substitutivo de Arouca e o considerou "muito melhorado". Foram propostas unicamente modificações de detalhe, como a substituição da expressão "engenharia genética" por "DNA recombinante".
O tema sensível da manipulação de embriões, por exemplo, não foi objeto de discussão mais aprofundada, embora o texto de Arouca pareça ser muito restritivo. Em seu artigo 5º, ele estipula que seja "proibida a manipulação experimental de embriões humanos, inclusive a sua manutenção 'in vitro' por qualquer técnica de suspensão da animação ou a sua produção natural ou artificial para fins de utilização enquanto material biológico para quaisquer finalidades".
Resta saber se a expressão "manipulação experimental" excluiria da proibição práticas médicas de vários anos como a fertilização "in vitro" (o que nos anos 70 se batizou de "bebê de proveta", ou seja, a união de óvulos e espermatozóides fora do corpo humano). De resto, esta já se encontra regulamentada desde novembro de 1992 por resolução do Conselho Federal de Medicina (nº 1.358), inclusive o congelamento de espermatozóides, óvulos e embriões.
Outro ponto sensível da biotecnologia é a segurança de organismos alterados geneticamente. O projeto de lei propõe que sejam adotados os quatro níveis de periculosidade e correspondentes normas de segurança de laboratório codificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Genética, Sergio Olavo Pinto da Costa, 63, isso está muito distante da realidade das pesquisas brasileiras: "Nossos trabalhos não chegaram ainda a um nível de desenvolvimento que exija regulamentação. O grau de periculosidade é quase zero. Pessoalmente, não conheço nenhuma pesquisa que envolva por exemplo riscos ambientais".

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