São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Italiano ajuda mulheres a engravidar na menopausa

HUMBERTO SACCOMANDI
DE LONDRES

O ginecologista italiano Severino Antinori está no centro de uma polêmica mundial. Ele é o pioneiro da gravidez pós-menopausa, uma técnica que permite que mulheres de mais de 60 anos fiquem grávidas. Apesar das ferozes críticas, inclusive da igreja, ele se defende dizendo que as famílias de proveta são mais estáveis e que o amor compensa o fato de uma criança ter uma mãe velha.
Antinori, 48, foi o primeiro a conseguir uma gravidez a partir de um espermatozóide totalmente imóvel. A falta de mobilidade dos espermatozóides é uma das causas mais comuns de esterilidade masculina. Antinori descobriu que era possível dar "um empurrão" e colocá-lo dentro do óvulo.
Ele também descobriu que as mulheres na menopausa podiam engravidar. Bastava tratá-las com os hormônios que elas não mais produziam e inseminá-las com um óvulo doado e fertilizado. Normalmente uma enzima no útero retira a capa protetora do óvulo e permite que o embrião se agarre ao útero. As mulheres na menopausa não produzem essa enzima. Nesse caso, é preciso perfurar a capa do óvulo com um laser especial.
"Não poder ter um filho próprio é uma coisa grave. É preciso acabar com essa hipocrisia de que adotar resolve o problema", diz ele. Quanto à chance de a mãe morrer logo, Antinori cita a Fórmula 1. "Se Ayrton Senna tiver um filho e logo depois morrer num acidente, essa criança também poderá reclamar de ter tido um pai por tão pouco tempo. Nesse caso teríamos que proibir pessoas com profissões perigosas de ter filhos."
Há uma semana, Antinori denunciou à Folha o que chamou de "máfia científica" e revelou que estava sendo chantageado. Desta vez o pesquisador italiano fala sobre suas pesquisas e a polêmica moral e ética sobre a gravidez pós-menopausa.
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Folha - Biologicamente, quais são as diferenças entre uma gravidez normal e uma gravidez pós-menopausa?
Severino Antinori - Após a menopausa, a mulher cessa de produzir óvulos e alguns hormônios, e seu útero diminui. Isso impossibilita a gravidez normal. Descobri que basta realizar um curto tratamento com estrógenos (três meses) para o útero voltar ao normal e poder receber um embrião. Daí por diante a gravidez é normal, como em uma mulher jovem.
Folha - Todas as mulheres podem se submeter a essa terapia?
Antinori - Não. Elas precisam estar em ótimos condições físicas. Fazemos exames de coração e cérebro. Eu ainda prefiro mulheres que não fumam. Recentemente na França uma mulher teve uma problema cerebral, mas depois soube-se que não tinham feito um exame. Eu mesmo recusei uma paciente cujos pais morreram de infarto por volta de 50 anos. As chances de ela ter o mesmo problema eram muito grandes. Nesse caso, não seria justo nem com ela nem com a criança. Além disso, acredito que a idade limite seja 64 ou 65 anos.
Folha - O sr. acredita que uma mulher de 70 anos possa ser uma boa mãe para uma criança de 10 anos?
Antinori - Estimativas oficiais dão conta de que 200 milhões de crianças no mundo sofrem com problemas familiares. São abandonadas, maltratadas, violentadas ou seus pais se divorciam. Sabemos que a família de proveta é bem mais estável. As crianças são muito desejadas, ao contrário do que frequentemente acontece. Sem dúvida há uma diferença de idade grande, mas acredito que o amor compense isso. Além disso, as mulheres se sentem rejuvenescidas ao se tornarem mães.
Folha - Seus críticos dizem que a gravidez pós-menopausa não é natural.
Antinori - Isso é um absurdo. É como dizer que é natural que o homem morra, quando fazemos de tudo para adiar isso. É natural viver com um marcapasso ou ter um órgão transplantado? As culturas primitivas confiavam tudo à natureza e rezavam aos deuses para que intercedessem. Para a sociedade cristã, Deus deu ao homem a capacidade de entender e controlar a natureza.
Folha - Mas a Igreja Católica não o critica?
Antinori - Recebo pedidos secretos de padres para ajudar mulheres de suas comunidades. Sou católico e contra o aborto na maior parte dos casos. Não entendo como a igreja pode ser contra algo que ajuda a criar a vida. Mas eu moro a 300 metros do Vaticano e algum dia ainda espero ser recebido pelo papa.
Folha - Quanto custa ter um filho com o sr.?
Antinori - Acredito que o comunismo acabou. Na Itália o aborto é grátis, mas não há ajuda para se ter um filho. Um tratamento custa US$ 4,5 mil. Cerca de 10% das pacientes são atendidas de graça.

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