São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Sem fôlego

As últimas coletas de preços confirmam a ocorrência de uma importante desaceleração da inflação. Ou seja, os preços continuam subindo, mas o impulso de alta perdeu fôlego. Há também sinais de que o consumo vem-se retraindo. Ocorre uma acomodação das expectativas de inflação para janeiro e fevereiro em 40%.
Ninguém, em sã consciência, comemoraria uma inflação mensal dessa magnitude. Mas a aceleração da inflação entre novembro e dezembro foi tão intensa e surpreendente que os primeiros sinais de acomodação, ainda que temporária, trazem alívio. Cabe recordar que há duas semanas o próprio governo alarmava-se, temendo os efeitos da alta ao longo da implementação da URV.
Resta saber até que ponto se pode atribuir à ação do próprio governo esse arrefecimento temporário da inflação. A perda de fôlego do repique de preços parece dever-se mais a fatores que escapam ou independem do controle do governo. A aceleração inflacionária verificada até o início de janeiro, por exemplo, foi gerada em boa medida por altas espetaculares nos preços de alimentos. No caso de hortifrutigranjeiros e outros produtos agrícolas os reajustes médios romperam a barreira dos 70% ao mês.
A pressão de alta surgiu portanto num grupo de produtos que estão submetidos a mercados mais competitivos, além de compor a cesta de consumo básico dos assalariados. Uma aceleração súbita e muito superior aos reajustes salariais esbarra imediatamente na queda do consumo. Daí a queda nas vendas, que obriga produtores e comércio a moderarem a alta sob pena de carregarem estoques indesejados.
A conclusão, menos animadora, é portanto de que a queda na inflação deve-se agora mais a um ajuste temporário entre oferta e demanda que a fatores mais estruturais ou ao sucesso da política econômica. É certamente melhor que se ingresse num programa de estabilização sem explosões de demanda. Mas ainda preocupa que o recuo da inflação se deva mais à falta de fôlego dos próprios consumidores que às iniciativas até agora implementadas pela política econômica.

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