São Paulo, sexta-feira, 7 de outubro de 1994
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As frases desmentidas

JANIO DE FREITAS

Cinco trechos de frases de Fernando Henrique Cardoso definiram a natureza da entrevista em que ele ontem falou ao país como presidente eleito:
``Os dados não podem dizer definitivamente que eu tenha sido eleito no primeiro turno"; ``a eleição que ainda está sendo contada nos tribunais"; ``vamos aguardar o veredito final, não quero me antecipar"; ``a apuração ainda está se processando"; e ``se confirmada a eleição".
As ressalvas são fundadas. Mas tiveram sua sinceridade previamente desmoralizada pela decisão de Fernando Henrique, injustificável sob qualquer ângulo de exame, de dar a entrevista própria dos presidentes eleitos sem, no entanto, estar reconhecido pela Justiça eleitoral como presidente eleito.
Pode-se considerar que esta é uma questão formal, já que a parcela dos votos apurados não permite dúvida quanto à eleição de Fernando Henrique. Mas por ser formal não deixa de ser também ética e até mesmo legal. A ninguém é consentido apresentar-se pelo que não é, por maiores que sejam as evidências de que será. E muito mais incabíveis são precipitações assim se, além de sua absoluta desnecessidade, partem de quem está prestes a assumir o que deve ser, ao menos teoricamente, o exemplo mais alto de ética pessoal e de respeito aos formalismos por ela exigidos, uns e outros atribuídos ao cargo.
Fernando Henrique assumiu o papel de presidente eleito quando os votos oficialmente apurados mal passavam de um terço, com apenas dois dias de apuração. Não lhe seria necessário aguardar mais de 72 horas, no máximo outras 24, para apresentar-se de pleno direito em sua nova condição. ``Não quero me antecipar", disse ele, mas não fez outra coisa. ``Vamos aguardar o veredito final", mas não foi capaz de aguardá-lo.
Só por uma sexta frase de Fernando Henrique pode-se explicar o seu açodamento, desmentindo as afirmações, de vésperas da votação, de que depois dela ``só falarei quando a apuração tiver terminado". A sexta frase, publicada cinco dias antes das eleições, respondia à repórter Maria Lima sobre o maior defeito que reconhecia em si próprio: ``O maior defeito é a vaidade".
Esperemos que, empossado, Fernando Henrique Cardoso contenha o seu maior defeito confesso, em favor da ética.

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