São Paulo, sexta-feira, 7 de outubro de 1994
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`Certamente ganhei no 1º turno por larga margem de votos'

Leia a seguir a íntegra do pronunciamento de Fernando Henrique Cardoso:
Apresentador - Senhoras e senhores, muito bom dia. Vamos dar início à entrevista coletiva do senador Fernando Henrique Cardoso. Serão 22 perguntas e cada jornalista terá direito a fazer uma única intervenção, no tempo máximo de um minuto. As perguntas deverão ser feitas neste microfone colocado aqui à frente do auditório e pedimos que antes de cada pergunta o jornalista se apresente. Será a seguinte a ordem das perguntas: ``O Estado de S.Paulo", SBT, Rádio Gaúcha, Agência Tass, ``Jornal do Brasil", TV Bandeirantes, CBN, Agência Associated Press, Folha de S.Paulo, TV Globo, Rádio Bandeirantes, jornal ``The New York Times", ``O Globo", Rádio Jovem Pan, Agência Knight-Ridder, ``Correio Braziliense", TV Manchete, Rádio Eldorado, ``Gazeta Mercantil", TV Record, ``Zero Hora" e ``Jornal de Brasília". Com a palavra, o senador Fernando Henrique Cardoso.
Fernando Henrique Cardoso - Bom dia. Eu aproveito esta oportunidade –que pela primeira vez, depois das eleições, eu posso me dirigir ao povo do meu país e também aos correspondentes estrangeiros– para agradecer.
Agradecer muito o modo tão generoso com que durante toda essa campanha eu fui tratado e a compreensão do povo brasileiro.
Os dados não me permitem dizer de forma definitiva que eu tenha sido eleito em primeiro turno, embora tudo indique isso, mas certamente eu ganhei no primeiro turno e ganhei por larga margem de votos. E todas as informações que nos chegam indicam que provavelmente não haverá segundo turno.
Falo, portanto, na qualidade de candidato que venceu as eleições. E nesta qualidade é que eu ressalto e agradeço ao povo brasileiro. É de ressaltar: o Brasil, nesses últimos anos, tem se caracterizado por ser um país no qual a democracia é um valor. O valor que eu especialmente, dada a minha trajetória política e até intelectual, trajetória pessoal, sempre abracei, mas que eu vejo sempre com emoção a sua reafirmação.
Noutra época, falando sobre outros países, que era a Espanha, eu disse que a Espanha tinha tido a sorte de que o seu processo de redemocratização coincidiu com o processo de expansão econômica. Não foi o que aconteceu no Brasil. No Brasil, o processo de redemocratização, que foi longo, não coincidiu necessariamente com a expansão da economia. E um país com tantas injustiças, com tantas desigualdades sociais, que vê a reorganização institucional e não percebe que ao lado dela há benesses, eu creio que é um país admirável e que se mantém fiel a essa reorganização institucional e à democracia, a despeito das imensas dificuldades que o povo brasileiro ou, pelo menos, que boa parcela desse povo enfrentou e continua enfrentando.
Eu acho que isso é algo a ser marcado. Nós hoje somos uma sociedade na qual a liberdade é um valor e o aperfeiçoamento das instituições democráticas, eu diria que é um destino, porque o povo assim deseja e porque aquele que governa o país, ainda que tivesse –não tem– a pretensão de remar contra a maré não conseguiria. Essas eleições foram prova disso.
Nós assistimos a uma transformação abrupta de um governo, governo anterior, que também pela primeira vez na história, quanto eu saiba, terá sido um governo interrompido, embora eleito democraticamente, terá sido interrompido pela decisão de um Congresso soberano e com o apoio do povo.
Não obstante, o governo que o sucedeu, do presidente Itamar Franco, foi capaz de, com o apoio desse mesmo povo, dar prosseguimento às tarefas de implantação da democracia e, mais do que isso, ao começo de uma transformação mais profunda para que amanhã esse povo perceba que nas democracias é possível também haver uma prosperidade, e que essa prosperidade não fique nas mãos de poucos, mas que essa prosperidade seja um caminho a ser trilhado pela maioria da população.
Ao agradecer, como disse ao iniciar estas palavras, o que vi por esse Brasil –e eu o percorri quase todo. Ao agradecer tantas mãos estendidas a mim em sinal de esperança e confiança. Tantos olhares, que muitas vezes não conseguimos esconder um certo cansaço, mas que brilhavam de novo na crença de que este país tem rumo.
Ao agradecer esse povo magnífico, eu também quero dizer aqui, em alto e bom som, que o presidente Itamar Franco soube conduzir e saberá conduzir até o fim do seu mandato um governo que no início foi difícil, um governo congressual quase, não se furtando a enfrentar os problemas fundamentais.
Apraz-me dizer a esse conjunto tão impressionante de jornalistas que aquilo que malsinou a época anterior, que foi a corrupção, desapareceu das páginas dos jornais. O governo da União, sob o comando do presidente Itamar Franco e de seus ministros, não foi jamais acusado do que quer que seja nessa área, e isso não é pouco. Isso permite que se comece a restabelecer uma ponte normal entre o eleitor, o povo e seus governantes. Mas, mais do que isso, nós pudemos alterar o rumo da nossa economia, corroída que estava pela inflação, graças à ação de uma equipe econômica do mais alto nível, à qual agradeço de todo coração.
Agradeço àqueles que, nos momentos de dificuldades, ousaram se juntar ao presidente Itamar e a mim, quando não havia nenhuma réstia de esperança de que fosse possível combater o mal que estava arruinando as nossas expectativas de futuro e que se juntaram a nós. Essa ação dessa equipe foi possível retomar o caminho mais seguro nas decisões do Estado atinentes à estabilização da economia. Mas economia não se estabiliza por um gesto técnico. Para que ela se estabilizasse, foi preciso e foi possível que o presidente da República desse um apoio em todos os momentos –em todos os momentos, eu repito– àqueles que estavam tentando inovar os caminhos do Brasil.
Eu sou pessoalmente devedor do presidente Itamar Franco pela confiança que depositou em mim, não só ao me nomear ministro das Relações Exteriores como, num gesto de ousadia, ao me colocar na pasta da Fazenda e, nela, ao ter me apoiado sempre, como apoiou àqueles que me sucederam, como até hoje. O presidente Itamar Franco entendeu que um governo que vinha sob o desafio de manter as instituições democráticas funcionando precisava enfrentar as grandes questões nacionais, e não poderia enfrentá-las se não houvesse uma determinação de combater a inflação e de dar ao país uma expectativa de crescimento econômico e o rumo de futuro. E a verdade é que, desde 1992, nós retomamos o caminho do crescimento, 4%, 5% ao ano, e não é pouco. Retomamos o caminho do crescimento, o caminho da moralização da vida pública e o caminho da contenção da inflação.
Caberá ao novo governo, quando se empossar –e só o fará a 1º de janeiro, e até 1º de janeiro quaisquer rumores sobre orientação de governo, sobre ministério ou sobre idéias transmitidas por assessores são rumores sem fundamentos. Porque o senador Fernando Henrique tem assessores do Senado, o candidato Fernando Henrique teve assessores durante a campanha e se se confirmar, como espero, a eleição do presidente Fernando Henrique, ele não tem nenhum assessor designado e, por consequência, dirá no momento oportuno ao país, com toda a responsabilidade, como será composto o governo, para que projetos, e nos dedicaremos nesses meses a esses projetos, à complementação dos temas de campanha. Campanha não é feita para iludir o eleitor, campanha é feita para sinalizar os rumos. Eles estão sinalizados e os rumos serão detalhados nesses próximos meses, de tal forma que a ação administrativa que se seguirá possa ser consequente.
Agradeço também àqueles que me apoiaram, aos partidos que me apoiaram, ao meu partido, ao PSDB, que agradeço na pessoa do presidente João Pimenta da Veiga, que aqui está, que se houve muito bem na condução do partido e nas articulações, ao ex-presidente Tasso Jereissati, que foi o iniciador desse processo de articulação.
Agradeço àqueles que, no primeiro momento, entenderam que o Brasil precisava de um rumo e que nós precisaríamos convergir, independentemente das nossas posições anteriores e independentemente de interesses partidários stricto sensu.
Agradeço, portanto, aos líderes do PFL, que aqui estão também e que nesse percurso me ajudaram.
Agradeço ao PTB, cujo presidente abriu mão da sua candidatura, senador Andrade Vieira, para formar parte daquela equipe, a que nos levou adiante.
Agradeço ao senador Guilherme Palmeira, que foi escolhido para vice-presidente da República e que por iniciativa própria, num gesto de grandeza, sem que nada, nada houvesse contra ele, renunciou para facilitar o nosso caminho.
Agradeço ao senador Marco Maciel, nosso vice-presidente, por ter aceito a substituição em momento delicado das decisões políticas da nossa coligação.
Mas eu seria injusto se não agradecesse aos demais partidos, segmentos dos demais partidos, que se juntaram nessa campanha, porque na verdade essa eleição foi do eleitor. Quem escolheu foi o eleitor, com muita liberdade. Foram frustradas, foram debalde as tentativas de imaginar que essa eleição pudesse ser conduzida.
Um país como o nosso, de 94 milhões de eleitores, com mais de 150 milhões de habitantes, que soube resistir ao processo da autocracia para transformar-se numa democracia, que tem aguentado tanta injustiça social, que tem mantido a sua crença na democracia, não é manipulável. O eleitor sabe. Quem não percebeu isso se iludiu. Quem imaginou que fosse possível, em qualquer nível da decisão que ainda está sendo contada nos tribunais, que fosse possível levar o eleitor por engano aqui ou ali, por manipulação, é falta de imaginação, de crença neste país. O eleitor escolheu e escolhe com muita liberdade e com muita firmeza os seus rumos.
A apuração ainda está se processando, mas eu quero dizer que o Superior Tribunal Eleitoral (sic) tem agido com muita correção e quem fala pode falar, porque foi objeto de crítica e até mesmo de tentativa de impedir que eu falasse no real, o que é ridículo, e o tribunal se houve com muita propriedade e a lisura da apuração está à luz das televisões. Será moroso o processo? É. Será arcaico? É. Mas é correto. É feito, dentro das limitações tecnológicas, da maneira mais aberta possível. Esperarei a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, do seu presidente, para então, com mais vigor, poder voltar ao país e dizer da minha alegria e dos meus agradecimentos.
Mas eu também quero dizer uma palavra à imprensa –por imprensa eu designo os meios de comunicação em geral– não há democracia sem imprensa, sem imprensa livre, sem imprensa ativa. Muitas vezes incomoda. Quando incomodou, eu tentei passar despercebido o incômodo. Procurei manter minhas relações com a mídia da maneira mais cordial possível, estivesse eu à frente ou atrás das pesquisas, e não o fiz por gentileza pessoal só, fiz porque eu acho que uma democracia precisa informar. Às vezes o atropelo é grande, talvez não fosse necessário –no futuro conversaremos sobre isso–, mas a informação não pode ser negada e a crítica livre tem que ser mantida. A acidez de um ou outro comentário é altamente compensada pelo fato de saber-se que essa acidez deriva da liberdade e não da imposição. Eu agradeço o fato de que, nesses meses de campanha, com todo o séquito que me circundou e com toda a liberdade que foi usada, eu não tenho do que me queixar.
Agradeço àqueles com os quais competi. Agradeço e vamos esperar o veredito final –não quero me antecipar–, mas eu agradeço a todos, mesmo aqueles que, em certos momentos, se mostraram talvez ressentidos e irados, e até com razão alguns. As urnas são cruéis, quem já foi objeto de derrota sabe disso. São cruéis, são verdadeiras, o povo tem que ser assim mesmo. E alguns dos nossos maiores líderes, que têm uma biografia que eu respeito, tiveram momentos de destemperança, compreensível. Compreensível, e a biografia prevalece sobre a palavra momentânea. Me refiro a Leonel Brizola. Tem biografia, sempre teve um lado, não há de ser agora que eu deixarei de reconhecer a biografia e o passado e agradeço a participação.
Agradeço a participação daqueles, talvez até mais obscuros, de um que é líder em meu Estado, que nunca estivemos muito próximos. Participou, criticou como é normal.
Mas, sobretudo, quero agradecer o comportamento do meu ad... mais próximo, eu ia dizer adversário, já não o é. Líder, o Lula, que manteve a campanha dentro dos limites do razoável. Essa campanha me parece que deixou uma marca para o Brasil de que é possível discutir, divergir, brigar, chegar ao limite, no plano político, daquilo que incomoda, mas deixou fluir idéias, deixou fluir programas, deixou fluir alternativas e o Brasil precisa disso. O Brasil precisa que haja uma competição nesse nível.
Eu não quero ir além desses agradecimentos, que os faço de todo coração. Não quero presumir nada, nem comportamentos dos meus competidores. Só quero terminar essas breves palavras, antes de responder às perguntas, ao insistir que estou aqui em homenagem à imprensa, em homenagem à opinião pública do Brasil, que aquele que ganhou o primeiro turno e que provavelmente será o vencedor no segundo turno tem razões para estar escondido –apenas quis descansar dois dias, os helicópteros quase não deixavam– mas eu apenas queria expressar isso e num momento de emoção, porque é de emoção sinceramente, trazer essas palavras; dizer que dada a minha formação teórica, intelectual, nunca deixei de ser intelectual nem deixarei. Acho que no mundo moderno não será capaz de dirigir um Estado grande e importante como é o Brasil quem não tiver capacidade de discernimento um pouco além do dia-a-dia.
Queria lhes dizer que eu saio dessa campanha com a mesma convicção com que entrei. Este Brasil é um grande país. Nós talvez não tenhamos ainda descoberto a dimensão do Brasil no mundo que se avizinha, no próximo milênio. Nós temos a responsabilidade, nós, todos os brasileiros, de conduzir este país de maneira democrática e firme, com a maior igualdade, melhor crescimento econômico, melhor distribuído nos seus frutos e uma presença internacional mais ativa. Um país do qual nós possamos ter –como temos– orgulho sem arrogância. Um país que nós podemos dizer que queremos, gostamos dele.
Eu ontem, lá onde eu estava, assisti um filme sobre o Caetano Veloso –e ao falar do Caetano, eu falo de todo o mundo cultural, dos que me prestigiaram votando em mim, e dos que não votaram, mas que eu devo prestigiá-los se aqui posso. O prestígio deles, às vezes, é muito maior do que o meu, e que o Caetano no final dizia coisas bastante tocantes, dizendo que ele sentia, embora fosse ele pessoalmente cético como pessoa, que ele achava que o Brasil tinha algo importante a oferecer como diferença no mundo. Diferença não quer dizer antagonismo, quer dizer peculiaridade, coisa própria. Nós temos um jeito próprio.
Eu sempre disse isso no PSDB, que nós tínhamos que ter um estilo. Hoje, eu não falo como PSDB. Quem teve a votação que eu tive fala como presidente potencial do Brasil (risos), fala como alguém que se sente muito ligado ao Brasil, e o Caetano dizia que é importante não perder de vista que nós podemos contribuir com alguma coisa, que é muito nossa, com certa simplicidade, sem aquela arrogância dos momentos em que queríamos transformar o Brasil em potência pelo bumbo dos tambores, mas transformar o Brasil numa nação querida, respeitada porque querida, pela ação dos brasileiros, pela criação artística dos brasileiros, pela nossa capacidade política de dialogar, pela nossa capacidade de produzir, de continuar crescendo a economia. Isso eu acho que nós estamos à beira de poder dizer –repito– sem arrogância a todo mundo. Nós superamos as nossas dificuldades, vamos superar. A maior delas –e a essa eu vou me dedicar, presidente que venha a ser– é a desigualdade social. É diminuir as diferenças. A maior delas hoje é a injustiça. Eu disse uma frase que repito aqui, nós já somos um país desenvolvido. Somos a décima economia do mundo, com muita injustiça. Um país que tem isso e que tem intérpretes que dizem com tanta simplicidade, como disse o Caetano, o que nós somos, tem que se unir. Um presidente da República tem que unir. Unir não quer dizer esmagar as diferenças, não quer dizer cortar, mas quer dizer encontrar os caminhos, quais os temas necessários para que aí haja convergência. E nessa busca de convergência eu não vou faltar nunca às minhas convicções, vou respeitar sempre as dos outros e continuarei a ser o professor que sempre fui e, portanto, homem de diálogo. Com firmeza. Não se governa o Brasil sem tomar decisões, ainda que no isolamento. Quem não assumir a responsabilidade de liderança em certos momentos não pode ser presidente da República. Mas quem não entender que a liderança não quer dizer imposição autocrática, senão quer dizer a condução num rumo que se percebe que é o rumo mais diretamente sentido por este país, também não pode ser.
Se eu vier a ser, como espero, o presidente da República, aproveito esta oportunidade para, ao agradecer ao povo brasileiro, pedir o apoio e o apoio de todos, sem exceção, e dizer que eu vou entrar, entrar em palácio com muita esperança, não por entrar num palácio, mas por sentir que palácios hoje ou ouvem muito de perto as ruas ou são casas vazias. Muito obrigado.

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