São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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Garota senta à mesa, sorri e pede R$ 200

LUIS HENRIQUE AMARAL ; MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem bater às portas da casa noturna Caracol sem fazer idéia do que se passa lá dentro receberá um pronto esclarecimento do maŒtre: ``Já conhece a casa? Não? É o mesmo esquema do Photo", diz.
Ainda que não conheça o ``esquema do Photo", o novo frequentador do Caracol, recém-inaugurado nos Jardins, vai descobrir o que significa a senha dada pelo maître logo que entrar no salão.
Numa mesa, quatro homens na faixa dos 40 anos, com os nós das gravatas afrouxados e os paletós pendurados nas cadeiras, sussurram no ouvido de garotas muito mais jovens, na faixa dos 20 anos. Riem muito e bebem uísque escocês Chivas Regall.
Outras 20 mulheres, também jovens, desacompanhadas, se espalham pelas mesas da casa. Bebem água mineral e coquetel de frutas.
Ao sentar numa mesa vazia, dois homens têm várias opções. A mais fácil é convidar para sentar as mulheres que, insistentemente, sorriem para eles.
Podem também convidar, com auxílio de um garçom, as mulheres que fingem não olhar para eles.
Vestindo calça de couro preto apertada e um bustiê decotado, Rebeca (nome fictício) passa pela mesa e apaga um cigarro no cinzeiro. Sorri. Senta-se na mesa em resposta a um rápido sorriso de aprovação de um dos homens.
Após a troca de nomes, a conversa evolui rápida. Rebeca, 21, pergunta: ``Desculpe a pressa. Você tem intenção de sair?" A resposta procura ser prática: ``Quanto é?" ``Duzentos", ela responde.
Talvez envergonhada pelo silêncio que provoca, Rebeca acrescenta: ``É que estou há dez dias sem trabalhar. Preciso faturar."
O desinteresse do interlocutor leva a garota a se levantar da mesa e procurar um novo alvo.
O ``fracasso" de Rebeca atrai o interesse de uma garota de gestos menos sofisticados. Baixa, ela chama a atenção pelos saltos altíssimos, um vestidinho curto preto e o batom vermelho forte que usa.
Ela dança em frente da mesa, levantando os braços e sorrindo exageradamente. Senta, se convida a beber um uísque e dá início a uma conversa sempre parecida.
``Qual é o seu nome?", ``Onde você trabalha?", ``É a primeira vez que vem aqui?" etc..
Ela se apresenta, sem modéstia, como ``Soninha arrasa quarteirão". 19 anos. Afirma ser filha de australiano com cearense.
Soninha não é tão direta quanto Rebeca, mas em menos de cinco minutos já anuncia o seu preço: ``Cento e cinquenta". Diante da cara de espanto do frequentador, sorri e diz: ``Cento e vinte".
Enquanto a conversa evolui, um grupo de quatro músicos ataca, no palquinho, um repertório eclético, que inclui os sucessos do grupo Roupa Nova, muita música de Leandro e Leonardo, uma canção em japonês (?) e alguns Caetanos.
Uma reprodução gigantesca da ``Maja Desnuda", de Goya, ocupa uma das paredes da casa.
No banheiro, um funcionário vende balas, cigarros, chocolates, água mineral, remédios (Engov) e, claro, camisinhas.

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