São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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Sigilo bancário e IPMF

OSIRIS LOPES FILHO

O Dr. Tápias, presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), enviou carta, publicada no Painel do Leitor, no dia 23 de setembro, nesta Folha, discordando da abordagem por mim realizada em artigo publicado no início de setembro a respeito do IPMF e que marginalmente trata da recusa de alguns bancos, sob a liderança desta instituição, de colaborarem com a Receita Federal.
Essa recusa levou-me a denominar o IPMF de imposto de administração ``caixa preta", uma vez que a Receita Federal não recebe informação identificadora do contribuinte correntista do banco sobre o valor das retiradas realizadas na conta corrente, nem o montante do imposto pago por ele.
Os bancos que seguem a orientação da Febraban limitam-se, em nome do respeito ao sigilo bancário, a entregar semanalmente o total do imposto que eles julgam devido, inexistindo possibilidade efetiva de controle pela administração tributária da correção do pagamento realizado.
O argumento da ``caixa preta" constituía apenas um exemplo a indicar a inoportunidade de se prorrogar a vigência do IPMF que, como se sabe, tem sua extinção prevista para 31 de dezembro do corrente ano. Não pretendi aprofundar a questão, pois a tese principal do artigo era a condenação técnica do IPMF, como imposto cumulativo, que apena em demasia o contribuinte, sem levar em consideração o princípio da capacidade contributiva.
Além disso, o litígio acerca do fornecimento das informações sobre o IPMF pelos bancos será decidido pelo Supremo Tribunal Federal, eis que se trata de matéria constitucional, que deverá chegar ao seu conhecimento.
Mas, na referida carta, o dr. Tápias leciona –``como já dissemos, todo debate sobre o sigilo bancário, fora do processo judicial competente, será, além de desrespeitoso aos juízes encarregados de julgá-lo, um desserviço à causa pública".
Trecho revelador de arrogância e imodéstia, revelando pretensão do dr. Tápias de se arvorar em zeloso guardião da competência do Judiciário e de se erigir em diligente censor do interesse público, assumindo o papel de patrulhador da formação da opinião pública, obrigam-se a retornar ao assunto, mesmo reconhecendo que, não sendo mais secretário da Receita Federal, a defesa do princípio da autoridade tributária, violado pela Febraban, incumbe ao dr. Sálvio, atual secretário, e ao ministro da Fazenda, dr. Ciro Gomes.
O que está em jogo nesse litígio é o exercício das funções de administração tributária. Não é possível, em pleno final do segundo milênio, que uma entidade privada, embora poderosa, impeça o poder público de cumprir o seu dever de zelar pela correta observância da norma tributária, obstando que o pagamento correto de um tributo seja feito.
É incrível que possa persistir uma situação em que a administração tributária fique impedida de conferir a base de cálculo de um imposto que incida sobre as retiradas de quantias da conta corrente bancária, sob a alegação de que isto vulnera o sigilo bancário.
É elementar que a Constituição, quando estabelece os fins, fornece os meios para que eles sejam atingidos. Dito de outra forma, criado o IPMF, abriu-se o acesso à conta corrente do contribuinte, por necessidade elementar do controle característico da administração tributária. A resistência de alguns bancos em fornecer esses elementos constitui sério enfrentamento da autoridade pública.
O sigilo bancário não subsiste nesse caso, pois instituído o tributo sobre as movimentações financeiras, a consequência é a sua abertura para o fisco, para as verificações que ele entender corretas, no interesse de zelar pelo cumprimento fiel da obrigação tributária correspondente. O Estado não pode ser tolhido de exercer o seu papel em matéria de administração tributária, de conferir se o imposto está sendo pago corretamente.
Se prosperar a tese da Febraban, em breve os bancos não fornecerão informações ao fisco acerca das incidências do Imposto de Renda na fonte, sobre as aplicações financeiras neles feitas.
Aliás, vale lembrar que o artigo 145, parágrafo 1º da Constituição vigente, estabelece, com propriedade, a abertura de informações, em favor do fisco, sobre o patrimônio, sobre os rendimentos e sobre as atividades econômicas do contribuinte, como instrumento para aferição da observância dos princípios da capacidade contributiva e da personalização do tributo.
O mais interessante de tudo isso é que, a pretexto de defender o interesse do correntista, a Febraban frustrou a efetivação da devolução do IPMF pago indevidamente em 1993, uma vez que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a sua cobrança naquele exercício, por ofensa ao princípio da anterioridade da lei tributária.
O fisco, para realizar a restituição, tem de identificar o seu destinatário e examinar se há correspondência entre o pagamento indevido e o valor a ser restituído.
Curioso assinalar que a juíza federal, drª Maria de Fátima, que denegou o mandado de segurança impetrado pela Febraban, a propósito do fornecimento das listas dos contribuintes do IPMF, com a identificação do imposto pago indevidamente, considerou a Febraban carente de legitimidade, pois o sigilo bancário é um direito e garantia do correntista, não do banco.
A verdade é que ``contas fantasmas" têm surgido em várias investigações feitas no país, diminuindo a credibilidade de algumas instituições bancárias, que têm agasalhado interesses escusos.
Há um outro fato que demonstra a absoluta necessidade de controle do fisco sobre o recolhimento do IPMF. É que os bancos são sujeitos passivos da obrigação do IPMF. Se o contribuinte não tiver recursos para pagar o imposto, o banco, como responsável, assume a posição de sujeito passivo da obrigação. Ora, é absurdo que o sujeito passivo se arrogue poderes para executar tarefas típicas do sujeito ativo da obrigação.
A quem aproveita a posição de não fornecer os dados do IPMF adotada pela Febraban? Seguramente não beneficia o cidadão comum, cumpridor de suas obrigações tributárias, que nada tem a esconder e que são milhões neste imenso país.
Objetivamente, está a beneficiar as pessoas que, no mínimo, querem esconder do fisco suas movimentações bancárias. Entre eles os sonegadores.
A prepotência da posição adotada pela Febraban e sua atitude contestadora da autoridade do fisco, impossibilitando-o de exercer suas funções normais, fazem-na assumir um papel típico de guarda-costas de interesses escusos, ou, na melhor das hipóteses, de anjo da guarda do sonegador.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, é professor de Direito Tributário e Financeiro na Universidade de Brasília, advogado e ex-secretário da Receita Federal.

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