São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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Aumento hoje, desemprego amanhã

LUÍS NASSIF

Aparentemente nem setor privado nem trabalhadores deram-se conta das implicações da ancoragem cambial sobre os preços e sobre a atividade econômica. Os setores que tentarem repetir o velho pacto oligopolista –de aumentos de salários repassados para preços– como dois e dois são quatro vão amargar queda de atividades até o início do próximo ano.
A lógica da ancoragem cambial é mais ou menos a seguinte:
1) Em outubro determinado produto nacional vale pouco menos que o produto estrangeiro –digamos US$ 90,00 contra US$ 100,00 do importado.
2) Com o espaço proporcionado pelo aquecimento das vendas, fábrica e sindicatos negociam aumentos reais de salários, sem cuidar de compensar com ganhos de produtividade. Os aumentos são repassados para os preços.
3) Pelo efeito demonstração, os fornecedores da empresa também negociam aumentos de salários repassados para preços. As pressões de custos passam a provir de várias fontes. O produto nacional passa a valer, digamos, US$ 110,00.
Esses setores apostam no câmbio. Se o preço salta para US$ 110,00 e o governo concede um reajuste de 20% no câmbio, por exemplo, o preço volta a valer US$ 91,00. E o especulador sai ganhando com a volta da ciranda inflacionária.
Repare que ambos –empresas e sindicatos– são cúmplices e beneficiários do mesmo jogo. Nos setores oligopolizados, para cada "urubú-patrão" existem centenas de "carcarás-empregados".
4) Ocorre que, além de não vai mexer no câmbio, o governo ainda vai reduzir as alíquotas de importação daquele produto em, digamos, 10%. O preço externo cai para US$ 90,00 e o nacional permanece nos US$ 110,00.
O comércio leva algum tempo para começar a importar os produtos similares. Depois que pega o ritmo, inunda o mercado interno com os importados e afoga os espertalhões. Sem poder contar com a bóia da desvalorização do câmbio, a única saída que restará ao especulador será proceder a um enorme enxugamento, que lhe permita reduzir os preços para os US$ 90,00, para poder competir com o importado.
Quanto maior o salto agora, maior o tombo mais à frente. Daí a necessidade premente de sindicatos e empresas sentarem, esquecerem o imediatismo e tratarem a proceder com mais responsabilidades frente seus próprios interesses, negociando ganhos de produtividade, não aumentos inflacionários.

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