São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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Fanatismo diminui a condição humana

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Eu me lembro que era muito pequeno, uns 3 ou 4 anos, e o futebol já me fascinava. Na verdade, ele povoava apenas a minha imaginação.
Era o som do rádio, transmitindo uma vibração colorida e incompreensível. Era o sonho, de recriar em imagens esse som, as palavras, a paixão dos mais velhos discutindo a última rodada na esquina.
Imagino o dr. Paulo Gaudêncio, psicanalista hoje renomado, naquele tempo mais conhecido como Popinha, nos rachas da rua Marajó, cumprindo a delicada e dolorosa operação de encher a bola (daí a origem da expressão). Desconfio que foi num desses momentos que descobriu Freud, já que os adultos, metidos a gaiato, tinham o mau vezo de troçar da garotada: ``Mostra aí o pingolim!".
Mas estou divagando. O que quero dizer é que só fui mesmo a um campo com 7 anos, levado pelas mãos relutantes de meu pai. O velho não gostava de futebol. Na verdade, ele odiava o fanatismo a que o futebol levava as pessoas mais equilibradas. Passou a vida –e ainda continua– dizendo que o fanatismo leva o homem à sua condição mais baixa.
Certa vez, foi ao Pacaembu, arrastado por amigos, ver um jogo do Estrela Vermelha. Quando os iugoslavos marcaram um gol, fruto de linda jogada, aplaudiu. Quase foi linchado pela torcida brasileira.
Até hoje, passado quase meio século, ele não entende o que aconteceu. Assim como não entendo o que aconteceu lá em Campinas, no jogo Guarani e Corinthians. Não foi o pior tumulto em campos de futebol a que assisti, nem será o último, infelizmente. Talvez o dr. Paulo Gaudêncio tenha uma explicação plausível, sobretudo se voltar a ser o Popinha dos rachas da rua Marajó.
Só sei que aquela foto publicada pela Folha me conta uma história dramática: um pai, que não era o meu, apaixonado tanto pelo futebol que arriscou levar seu filho ao estádio, desmaia nas gerais, diante da violência irracional que tomou conta dos seus vizinhos. E o filho, que não sou eu, na sua infinita fragilidade, tenta protegê-lo.
Será que estava certo o velho quando, para meu desespero, mudava a estação de rádio que transmitia um jogo para outra, que irradiava uma lacrimosa mas inócua ópera italiana?
O escândalo Mesquita Pimenta é seguido da destituição do presidente Kodja. Servem para reforçar a tese de que os clubes devem ser dirigidos por profissionais. Ou alguém tem melhor proposta?

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