São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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SOS, câmbio!

O Banco Central fracassou na última sexta-feira em mais uma tentativa de evitar que o valor do dólar caísse ainda mais diante do real.
Imaginava-se, na véspera do Plano Real, que a partir de julho o Banco Central fixasse o valor de um real em um dólar. Mas, desde então, esse ``teto" tem ficado cada vez mais distante. Na semana passada, a moeda norte-americana encostou no piso de 82 centavos de real.
Essa não foi a primeira intervenção do BC, nem foi a primeira a fracassar. E não foi uma tentativa débil: fontes do mercado estimam em pelo menos US$ 200 milhões a quantidade de dólares comprados pelo BC em vários leilões sucessivos. Entrando no mercado para comprar dólares, o BC espera valorizar essa moeda. O BC cria assim maior procura por dólares. Ao mesmo tempo, está, com cada compra, injetando na economia uma quantidade de reais equivalente aos dólares comprados (mais de R$ 160 milhões apenas nos leilões realizados na última sexta-feira).
A situação é grave menos pelo nível a que já chegou a valorização do real e mais pelo fato de que o governo sinaliza uma intenção sem conseguir realizá-la. É a credibilidade da política econômica que sai arranhada do episódio.
O fracasso dos leilões não é algo isolado. Há cerca de duas semanas o governo liberou as regras para investimentos de brasileiros no exterior (trata-se de fundos cotados em dólar e formados com títulos de dívida brasileira no exterior). Foi uma tentativa, por enquanto inócua, de criar mais procura por dólares.
Ainda assim o BC teve de recorrer aos leilões de compra para tentar segurar o dólar. Debalde.
Apostou-se também no aumento de importações como forma de aumentar a procura por dólares. É uma estratégia acertada e o modelo de ajuste voltado ao aumento das importações tem toda a lógica do mundo. Mas importar leva tempo. E é muito raro que os fornecedores no exterior possam responder imediatamente a novas encomendas. Na prática, não há a disponibilidade infinita de mercadorias que talvez se imagine em teoria, principalmente agora que outras economias estão aquecidas e também aumentam suas importações, especialmente a dos Estados Unidos.
Se está difícil, quase impossível, criar demanda por dólares, a alternativa terá de ser buscada cada vez mais no controle da oferta. É preciso tornar a economia brasileira menos atrativa para o capital puramente especulativo, por exemplo, reduzindo os juros reais. Mas isso é perigoso, pois num momento em que o consumo já está aquecido a redução de juros equivale a jogar mais lenha na inflação.
Resta ainda a alternativa de bloquear a entrada de capitais. Decisão amarga num mundo onde a coqueluche são os ``emerging markets" e quando o Brasil afinal precisa de capitais para crescer.
Entretanto, nas últimas semanas a superoferta de dólares tem origem no comércio, ou seja, no excesso de exportações sobre importações e não no movimento de capitais. Ao contrário, houve saída financeira líquida de dólares. É verdade que há expectativas de entrada maior no futuro. Mas pelo menos por enquanto erguer barreiras contra a entrada de recursos financeiros externos de nada adiantaria.
A política econômica encontra-se portanto diante de um impasse. A médio e longo prazo é possível que o aumento de importações afinal ocorra e neutralize as exportações. Dando tempo ao tempo, talvez as exportações se reduzam como resposta à valorização do real. Quando e se o governo conseguir arrecadar mais do que gasta terá, também, outro poderoso instrumento de retirada de reais de circulação. Poderá assim compensar o movimento dos reais que entram cada vez que um exportador ou investidor vende seus dólares ao BC.
Tudo isso, entretanto, leva tempo. As soluções que parecem logicamente cristalinas no longo prazo tornam-se irritantemente insuportáveis no curto prazo. A instabilidade do câmbio é uma espécie de SOS ao qual o governo deve responder antes que seja tarde demais.

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