São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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O PT e a aposta de mão única

JOSÉ GENOINO

O PT estabeleceu como objetivos das eleições de 94 levar Lula à Presidência da República, eleger governadores e significativas bancadas para o Senado, Câmara e Assembléias Legislativas. Em parte os objetivos foram alcançados.
Candidatos do PT disputam o segundo turno em dois Estados e no Distrito Federal. Se isso revela uma performance positiva, em outros Estados os candidatos do partido tiveram um desempenho precário.
Mas o objetivo maior do PT era eleger Lula presidente. A vitória de FHC no primeiro turno representa uma derrota para nós petistas e isto estabelece a necessidade de analisá-la publicamente.
É claro que a derrota de Lula não se deve apenas aos nossos erros, mas também aos acertos dos adversários. Desde os últimos anos do regime militar, a sociedade enfrenta os problemas da inflação, da instabilidade econômica, da distribuição da renda e da crise social e das instituições. Todas estas questões estão imbricadas com a natureza e a forma de atuação e de financiamento do Estado.
A sociedade brasileira, apesar da crise, do grande contingente de excluídos e da péssima distribuição de renda, afirma-se como uma sociedade de assalariados da indústria e do setor de serviços e de atividades autônomas.
A modernização tecnológica e a proliferação do setor terciário produziram, no século 20, as complexas sociedades de massas, homogeneizadas por uma significativa identificação de interesses e, culturalmente, pelos meios de comunicação. O Brasil é hoje, majoritariamente, uma sociedade de incluídos, uma sociedade de massas.
Para os incluídos, os temas da estabilização da economia, da distribuição de renda, da eficácia governamental, da garantia de direitos e de novas chances de vida propiciadas pelo crescimento econômico são prioritários.
A candidatura Fernando Henrique, incorporando em parte o discurso social do PT, parece ter compreendido melhor as características novas que se desenvolveram em nossa sociedade. Com isso, teve melhores condições de dirigir uma mensagem mais afinada com as aspirações das maiorias sociais.
A existência concreta do real e da baixa inflacionária tornaram a mensagem ainda mais convincente aos olhos do eleitorado, principalmente para aqueles que não tinham acesso à proteção da indexação.
As eleições de 94 articularam-se em torno de pressupostos bem diferentes dos de 89. Naquele ano, o eleitorado vivia a experiência nova e fascinante de eleger o presidente num pleito onde este era o único cargo em disputa. Em 94, contudo, a eleição foi mais orgânica e o eleitorado, mais racional.
Se já era um feito disputar o segundo turno em 89, o impeachment e a CPI do Orçamento deram mais credibilidade ao PT e ao seu candidato, confirmada pelos crescentes índices nas pesquisas eleitorais. Mas foi precisamente neste momento que começaram os nossos maiores erros.
Num clima de ``já ganhou", prevaleceu no PT uma concepção de ``revolução" pela via da institucionalidade, claro que não compartilhada por todos. Lula seria eleito, governaria com base no apoio e na mobilização das camadas populares e iniciaria um processo de reformas radicais rumo a um objetivo que não foi claramente explicitado se seria o socialismo ou algo parecido.
Lula na Presidência provocaria um curto-circuito por cima e colocaria o sistema em xeque. O programa não revela inteiramente essa concepção, já que ele expressa uma certa média entre as posições. Mas o peso que a concepção da ``revolução" pela institucionalidade teve na campanha se evidencia na secundarização dos temas da política de alianças, do programa de governo e da importância do Congresso na garantia da governabilidade.
O caminho adotado foi uma aposta de mão única. A alternativa das reformas institucionais e processuais encontrou forte resistência em parcelas do partido. Tanto o parlamentarismo como a revisão constitucional passaram a ser vistos como conspirações que visariam ou impedir a chegada de Lula à Presidência ou limitar seus poderes.
A candidatura do PT seria ainda beneficiária do presumido fracasso do governo Itamar. Por isso apostou-se numa oposição sistemática. Ao invés de fazer uma oposição com base em propostas, optou-se por campanhas de massas que não foram levadas adiante pelo partido.
As consequências dessas concepções são claras:
1) o programa de governo que abordasse de forma concreta e apontasse soluções práticas para os problemas da sociedade e da governabilidade não mereceu a devida importância;
2) não se percebeu a incidência da política de alianças para construir a vitória eleitoral numa eleição conjunta de presidente, governos estaduais e parlamentos. Postergou-se o problema das alianças para o momento da formação do governo na suposição da vitória no primeiro turno ou para a disputa do segundo turno. A réplica da realidade foi muito dura com estas concepções.
A subestimação dos efeitos eleitorais do real, já previsíveis antes de julho, e a perplexidade diante da ação devastadora do plano nas preferências do eleitorado estão fundadas, por um lado, nas insuficiências de análise das características da sociedade brasileira no quadro da economia globalizada. E, por outro, nas concepções equivocadas que orientaram a ação do partido.
Numa democracia e numa economia de mercado como é a nossa, mesmo com todos os seus problemas e anacronismos, deve-se considerar que o jogo político é complexo e difícil. A ação do partido deve levar em conta estratégias de longo prazo, o caráter processual das mudanças e a importância da institucionalidade e das alianças políticas para garantir a governabilidade democrática.
Novos desafios estão postos para o PT. Cabe a nós, petistas, sem sectarismo e numa discussão aberta para a sociedade, enfrentá-los com lucidez. Somente assim o PT continuará com sua história edificante e modernizadora da vida política do país.

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