São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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Ou ele é mais uma das invenções de um país combalido? Uma outra alucinação de uma sociedade que se recusa a amadurecer?

COSETTE ALVES

Nem precisei terminar a entrevista para perceber com alívio que Fernando Henrique existe. É real. E com ele nasce a possibilidade de se fazer política de uma forma diferente no Brasil. Esta é a grande mudança.
Seu estilo é preciso e direto. Não faz piruetas, dispensa coreografias e detesta truques barrocos –porque tem idéias. Confia naquilo que sabe e está pronto a ouvir e aprender.
Para o presidente Fernando Henrique, além do projeto de governo que quer executar, o grande desafio é desintoxicar os brasileiros de promessas loucas e mirabolantes, convidando-os a participar do processo de mudanças do país. Lançar a todos em um outro estágio de desenvolvimento.
Sua principal qualidade é a empatia. Coloca-se com respeito no lugar dos adversários. ``Eles são bons", diz com simplicidade. ``Mas acontece que eu sou melhor preparado, porque tenho um projeto exequível, um projeto real. Vou estabilizar a economia e investir na educação, saúde, criar empregos. Não sozinho, pois isso seria impossível. Mas com a ajuda e a compreensão dos políticos, da sociedade e até dos meus atuais adversários".
Fim da era dos milagres. Era do Real.
-Como o sr. está se sentindo preseidente eleito da República?
-Me dá um sentimento de esperança. Este país está mudando e vai mudar ainda mais em meu governo. Vamos transformar um país injusto num país mais justo, rico, generoso e solidário até o alvorecer do século 21.
–Por que o sr. quis ser presidente do Brasil?
–A razão imediata foi o plano econômico. Só aceitei porque os demais candidatos eram contra e não conseguíamos criar dentro do PSDB, e mesmo no PMDB, onde tentamos com o Britto, uma alternativa. Fora disso, por achar que o Brasil tem hoje condições de mudar uma quadra da história. Para isso, tem que ter uma visão mais ampla do mundo, tem que ter contatos mais amplos, e não tem que ter medo, nem da sociedade brasileira, nem da internacional. Eu não tenho medo.
- Qual foi o momento mais difícil da campanha?
-Foram os do começo, quando muitos questionavam as alianças que fazíamos e desacreditavam de nossas propostas. Mas nós estávamos certos. os brasileiros compreenderam o Plano Real e aprovaram minhas propostas para mudar, completamente , a cara do Brasil.
–Que a imagem o sr. tem de si mesmo?
–Sou um intelectual, com todos os desvios da vida, como os que me levaram ao exílio e à vida política. Se você me perguntar o que sou dentro de mim, sou uma pessoa que mesmo quando estou em plena ação, eu penso.
–O sr. notou mudanças importantes em si mesmo nos últimos dez anos?
–Certamente. Sempre fui e ainda sou uma pessoa bastante espontânea. Gosto da vida, sempre gostei de brincar e ironizar. E cada vez posso menos, porque a vida política limita muito isso. A vida política decente empobrece. Qualquer coisa que você diga, tomam pelo outro lado, há sempre uma maldade presente. Então, eu fiquei mais contido. Eu, que sempre gostei de explicitar tudo, fiquei mais cuidadoso.
–É vaidoso?
–Dizem que sou, devo ser. De certas coisas sim, mas não do que pensam que eu sou. Eu não sou fisicamente vaidoso. Eu nunca sei direito nem qual é a roupa que eu ponho. Não sou desse jeito como as pessoas às vezes acreditam que sou. Agora, eu tenho uma certa consciência das coisas que fiz e, nesse sentido, podem dizer que eu tenho vaidade.
–Afinal, o sr. acredita em Deus?
–Seria uma pretensão, hoje, dizer que não. Porque, na verdade, não há uma explicação para muita coisa que existe, para o infinito, para o amor, a origem da vida. Então, eu acho que é um ato de humildade intelectual acreditar.
–Que político brasileiro o sr. mais admira?
–Dos mortos, sem dúvida alguma, o Ulysses Guimarães me impressionou sempre. Eu sempre achei o Ulysses um grande político, um homem que tinha coragem e tomava decisões nos momentos adequados. Na mesma linha, o Juscelino, que foi ousado. Eu gosto desse estilo de políticos, porque na verdade não são histriônicos e fazem, quando é necessário, o que tem de ser feito. O que eu não gosto é o oposto disso. Por exemplo, eu jamais gostei do Jânio. Mas não sou de guardar ódio na geladeira. Mesmo pessoas que, às vezes, me melindraram, me ofenderam, me prejudicaram, eu esqueço. Eu desligo.
–Três implicâncias pessoais que, se tivesse poder para mudar, mudaria já?
–Mudaria logo as práticas do Congresso, aquela coisa de não ter agenda, de não ter previsão, de amarrar tudo. Depois, mudaria a falta de resposta às coisas, que considero uma falta de consideração. E também acho que precisamos ter mais tranquilidade no Brasil, um pouco menos de tumulto.

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