São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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`A Viagem' faz folhetim de alta tecnologia

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

E que viagem! Um vai e vem entre o céu e a terra, com algumas cenas no inferno, e muita lição de uma moral espiritualista que a tudo perdoa, regada a efeitos especiais, fizeram do final da novela das sete uma atualização high-tech do centenário melodrama.
O bem e o mal se enfrentaram de maneira literal no contraste entre a luminosidade exuberante do paraíso e as trevas cheias de fogo do inferno. Uma seqência de arrependimentos sofridos terminou em uma orgia de felicidade e amor, regada a muitos casamentos e nascimentos.
A novela trata do longo percurso do indivíduo egoísta em direção à conquista de sua espiritualidade plena. O caminho é feito de muitas passagens: nascimentos, mortes, vida após a morte -que inclui ``descidas" freqentes ao mundo dos vivos e reencarnações.
Expressão máxima das vantagens do arrependimento, o personagem que inicia a novela matando e que depois de morto inferniza a vida da ex-namorada, envolvida com o ex-cunhado, é finalmente admitido no céu. Prova sublime de sua conversão é sua disposição de voltar à Terra reencarnado como filho do casal que inutilmente combatera!
Não podia faltar ao último capítulo um casamentão coletivo que lembra tantos outros. Mas a estrutura clássica é elástica. Ela exige uma repetição capaz de incorporar alguma novidade.
Não se viu padre ou juiz em uma cerimônia para a qual os noivos chegaram juntos em seus próprios carros. Ao invés do clássico sermão, ouviram-se apaixonadas declarações públicas dos amantes. Muitas noivas casaram grávidas. Em uma novela que primou pelo misticismo, a cerimônia foi das mais seculares.
O casamento aparece dissociado da procriação. Se o amor é verdadeiro, o homem deve aceitar o filho da esposa grávida mesmo que ele tenha sido gerado por outro homem.
E em um diálogo paralelo no céu somos informados da legitimidade de segundas uniões em caso de o amor entre os primeiros parceiros não ser do tipo eterno.
Assim parece que o discurso moralizante é capaz de incorporar todos os nossos pecados. O romance celeste dos protagonistas vividos por Antonio Fagundes e Christiane Torlone pode enfim realizar as máximas de um amor espiritualista e cósmico.
A linguagem das aberturas eletrônicas penetraram a narrativa da novela. A grama verde do mundo encantado do bem ganha um tom brilhante que lembra a estética de alguns programas, também místicos, produzidos pela TV japonesa.
O casal romântico desaparece em um facho de luz, se dissolve no espaço celeste, vira pó em um mundo sideral, iluminado por uma fantástica e crescente luz central. O sol nesse universo de espiritismo Global é de uma luz fria.
Sobra o espanto causado por uma narrativa sem caráter, onde a mais alta tecnologia celebra uma religiosidade estrita, mas permissiva.

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