São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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O sonho não acabou

CLÓVIS ROSSI

BUDAPESTE - Deu na edição de fim-de-semana do ``Financial Times", considerado o jornal mais influente do mundo: ``Brasileiros acordam de um sonho Real".
Fernando Henrique Cardoso recebeu o texto, guardou no bolso para ler mais tarde, mas ouviu um resumo durante conversa com os jornalistas no Art Café, de Szentendre (``Santo André"), cidadezinha próxima de Budapeste.
O jornal inglês refere-se ao pacote anticonsumo baixado pelo governo Itamar Franco, que teria posto fim ao ``boom" de consumo no Brasil. FHC discorda. Acha que as medidas restringem o consumo apenas das classes médias. ``Por isso, a gritaria", diz.
``A população pobre não está nem aí", decreta. Por mais que seja questionado sobre as causas estruturais da inflação brasileira ou sobre problemas de desabastecimento, que estão ganhando as manchetes, mantém o discurso otimista da campanha.
O aumento da carne é um problema sazonal, o do feijão se resolve com importação, na escassez de frango sequer acredita. ``Não há nenhum problema dramático na área de abastecimento".
Tampouco vê risco de repique da inflação pelo menos até o final do ano. ``O Ciro (Gomes, ministro da Fazenda) falou em 3% de inflação em outubro. Não chegou a 2%. Então, não tem nenhuma preocupação maior aí".
Os demônios são sempre os outros. Os empresários, por exemplo, dos quais viria a maior pressão por aumentos de preços, embora o presidente eleito admita que sigam uma lógica inexorável: ``Tem consumo, por que não vender?".
Ou a mídia, que, segundo ele, ``quer o espetáculo da volta (da inflação)". Ressalve-se que não está acusando os jornalistas de sensacionalismo, mas de aplicarem a lógica estrita da notícia: ``Qual é o espetáculo? É a não estabilização, assim como antes foi a estabilização".
Como se vê, o discurso otimista engatado pelo presidente eleito resiste até ao ``Financial Times". Resta ver se combina com os fatos.

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