São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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O Congresso Nacional e as reformas

HÉLIO BICUDO

Ninguém vai discutir o aspecto formal que configurou o ato eleitoral de 3 de outubro. Os eleitores compareceram às seções eleitorais e depositaram seus votos nas urnas. Os votos foram apurados, declarando-se a preferência dos eleitores por determinados candidatos.
Resta saber, o que hoje parece não interessar a mais ninguém e muito menos à Justiça Eleitoral, se o processo eleitoral –não apenas o ato de votar– permitiu a opção livre do eleitor. É exatamente neste ponto que a questão pega a apontar pela legitimidade ou ilegitimidade das escolhas feitas.
É sabido que os crimes eleitorais não aproveitam, apenas, aos seus autores. Eles maculam a eleição, porque retiram, por influírem em seus resultados, justamente na liberdade de decisão em se votar neste ou naquele.
Assim como os receptadores são punidos quando se beneficiam da ação dos ladrões, também o deveriam ser aqueles que obtiveram vantagens, como decorrência do uso indevido da máquina administrativa, do poder econômico que em grande parte é o resultado daquela primeira atuação e, por último, da desigualdade de tratamento pela TV, pela rádio e pela imprensa escrita.
O receptador não manda ou consente no furto. Este existe porque o agente sabe que encontrará quem adquiria o objeto do furto. O crime eleitoral se concretiza, não porque o beneficiário o quer, mas quando dele se beneficia.
Ora, uma eleição viciada –são risíveis as razões adotadas pela Justiça Eleitoral e, em especial pelo procurador-geral eleitoral na apreciação do processo –leva ao descompromisso e a uma atuação governamental desvinculada da vontade popular.
E não é por outro motivo, que se falou e agora se fala com maior intensidade, em reformas da Constituição, já! E isto, não obstante, tenhamos um Congresso, que se renovará em mais de 50% de seus membros, com uma legislatura a findar dentro de três meses.
Qual o compromisso desses deputados e senadores que não voltam...
Ainda quando as reformas faladas, devam ser feitas pelo processo constitucional das emendas –e para FHC será formidável que elas o sejam ainda na atual legislatura– é evidente que a sua aprovação ocorrerá dentro de um fisiologismo incompatível com o livre debate e, por conseguinte, com os legítimos interesses populares.
Que o novo governo busque o diálogo com o novo e não com o velho. Que abra a discussão das reformas que pretende com o conjunto da sociedade civil e que não procure as facilidades que tem sido responsáveis pelo descrédito que poderemos superar, se para tanto tivermos a vontade política de reencontrar os caminhos que levam ao aperfeiçoamento democrático.
Não se venha dizer que é preciso, que é urgente, porque a ``revisão" não se fez. A revisão não se fez porque era inconstitucional. Era uma violação da vontade popular consagrada em 1988, centrada num modelo sócio-econômico no qual estão empenhados tantos quantos, sob o pretexto da globalidade, pretendem atrelar o Brasil aos interesses do neoliberalismo internacional.

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