São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Brasileiros contestam ética dos testes de QI

MANUEL COSTA PINTO
DA REDAÇÃO

O livro ``The Bell Curve" (A Curva do Sino) divide a opinião de pesquisadores de diversas áreas. As críticas mais severas o acusam de um racismo mal-disfarçado; mas há também quem defenda a validade da pesquisa sobre a diferença de QI entre as raças.
Para a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, o trabalho tem um erro de base: ``Não existem raças puras, que tenham permanecido isoladas genética ou culturalmente". Segundo ela, isso invalidaria um levantamento estatístico que pressupõe uma repartição étnica bem definida das populações.
Autora de ``O Espetáculo das Raças" –livro que aborda o pensamento racial do Brasil no século 19–, Lilia Schwarcz não hesita em afirmar que essa premissa esconde ``uma forma totalitária de lidar com as diferenças culturais".
A mesma acusação é feita pelo geneticista José Mariano Amabis, da USP. Para ele, o resultado do teste está determinado, em larga medida, por quem o concebe.
Assim, uma sociedade que privilegia o saber prático, científico, só avalia esses valores. ``Mas como ficaria o teste numa cultura que se orienta por padrões místicos, como a oriental ou a muçulmana?", pergunta Amabis.
Outro geneticista, Oswaldo Frota Pessoa, afirma, contudo, que os testes de QI são tratados de maneira muito emocional.
``A interpretação de Murray e Herrnstein tem uma conotação política de direita", diz ele. ``Mas o teste é um teste como qualquer outro, sujeito a erros que podem ser corrigidos. O fato é que a ciência tem conseguido neutralizar a tendenciosidade dos testes, mas não dos cientistas", conclui.
Além disso, completa ele, ``assim como é possível provar que uma raça tem aptidões musicais, pode-se provar que outra tenha predisposição para a inteligência lógica".
O sentido ético da pesquisa publicada em ``The Bell Curve" é outro ponto polêmico. ``Esse tipo de teste não serve para nada. Seu único uso prático é legitimar teses fascistas", diz Amabis.
O geógrafo Milton Santos vai mais longe. Para ele, a globalização das relações sociais, pautadas pela competitividade, faz com que a ciência produza um ``discurso da perversidade, que justifica a pobreza como indispensável à retomada do crescimento".
As teses de Murray e Herrnstein estariam dentro dessa ética maquiavélica, ao legitimarem a exclusão social a partir de um tipo de análise que não leva em conta os contextos históricos e sociais.
``Uma das características da pesquisa em ciências sociais, neste fim de século, é a volta à noção de causa e efeito, com o abandono da noção de contexto. Mas com um agravante: na determinação das temáticas, é o efeito que precede a causa...", diz Milton Santos, ironizando os efeitos segregadores supostamente visados por ``The Bell Curve".
Manuel da Costa Pinto

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