São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Inflação de cocaína

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – O preço da cocaína subiu quase 100% no Rio –e deve subir ainda mais, com a redução da oferta, provocada pela ameaça de intervenção militar nos morros. Nessa inflação, está a prova da monumental ignorância em que estamos metidos. Facílimo entender.
Quanto maior a repressão maior o preço das drogas, seguindo o princípio elementar da lei da oferta e da procura. Resultado: o tráfico torna-se ainda mais atrativo. Cresce, ao mesmo tempo, a capacidade de corrupção dos traficantes, oferecendo ao sistema policial e até Judiciário propinas cada vez mais reluzentes.
Não tenham dúvida: se o Exército, Marinha e Aeronáutica entrarem na luta contra o tráfico, a corrupção dos traficantes em pouco tempo estará germinando em segmentos das Forças Armadas.
Estamos cometendo os mesmos erros dos Estados Unidos: estamos apostando na redução do consumo através da repressão ao tráfico. Infelizmente, não funciona.
A melhor saída é uma ampla campanha educacional, envolvendo não apenas as escolas, mas associações de bairro, sindicatos e igrejas. Precisamos ensinar aos jovens os perigos das drogas, ajudá-los a se recuperar do vício e integrá-los à sociedade para que não fiquem nas mãos dos traficantes.
Não menos importante, devemos ensinar aos pais como tratar os filhos que usem drogas, ensiná-los como dialogar e como prevenir a marginalização.
Esse assunto é sério demais para ficar apenas nas mãos da polícia.
PS - Aliás, os meios de comunicação têm um papel fundamental, especialmente as emissoras de TV. Eles deveriam veicular campanhas educativas, incluindo o assunto, por exemplo, nas novelas. Deveriam ter mais responsabilidade cívica e colocar algum conteúdo pedagógico em seus programas infantis –a maioria deles um lixo, conduzida pelo encanto estéril de cabeças ralas, cobertas por fartos cabelos loiros e sustentadas por coxas esculturais. Ótimo para vender comerciais, péssimo para se construir uma nação. Sem isso, estamos apenas ajudando, na prática, os traficantes. Ou a audiência dos telejornais que se babam com as cinematográficas operações militares e policiais em favelas.

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