São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 1994
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O GURU DO JAZZ RAP

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Acid jazz? Hip-hop jazz? Jazz rap? Em 1988, a combinação dos estilos se resumia às ruas de Nova York e nem de longe sugeria a moda celebrada no Free Jazz Festival, que terminou na sexta, mas Guru já usava ``samples" de jazz em suas músicas.
Não deixa de ser curioso que Guru tenha feito o único show de hip-hop do festival, mesmo contando em sua apresentação com o trompete do ``doutor" em jazz Donald Byrd.
Enquanto os outros artistas da noite de ``acid jazz" preferiram se apresentar com bandas de jazz, o rapper de Nova York se manteve fiel à idéia de que um DJ pode ser uma banda.
Guru rodou muito no rap, antes de resolver lançar o projeto Jazzmatazz. Pioneiro no uso de jazz com sua banda, Gang Starr, ele se tornou um dos rappers mais influentes da cena.
Quando fala, é uma aula de história do rap. ``Quando começamos, em 1988, todos estavam usando `samples' de James Brown. O jazz foi adotado quando os DJs começaram a buscar outras fontes para suas bases."

Folha - Como o Gang Starr fez o contato com Branford Marsalis, que originou a música responsável pelo início da febre de colaborações entre rappers e artistas de jazz?
Guru - Eu credito Spike Lee como o iniciador dessa onda. Ele que nos convidou para gravar com Branford, a trilha do filme ``Mais e Melhores Blues" (1990).
Spike queria uma música que fosse um tributo ao Brooklyn e reuniu dois extremos do bairro. Ele tinha ouvido uma música nossa que usava um ``sample" de Dizzy Gillespie e achou que a colaboração seria natural. Hoje, Branford e eu somos irmãos.
Folha - Você acha que o jazz rap é uma tendência em crescimento?
Guru - O uso de jazz é apenas uma das muitas opções para os artistas de hip-hop. Você pode usar qualquer coisa para fazer hip-hop, de country a música clássica.
Há tantas tendências acontecendo hoje, simultaneamente, que fica difícil apontar qual a que está crescendo mais.
Folha - Como você vê o seu papel no hip-hop?
Guru - Estou numa missão para elevar a consciência do meu povo.
A família negra americana foi sistematicamente dividida. Quando eu era criança, em Boston, se a minha vizinha me pegasse matando aula, ia falar com a minha mãe. Hoje, nenhum vizinho fala com o outro, por causa do medo das armas e do crack.
Mas não fomos nós que colocamos crack, armas e lojas de bebidas em nossas ruas.
Folha - Quando você começou a se interessar a fazer rap sobre essa realidade?
Guru - Antes de virar rapper, eu costumava trabalhar em reformatórios como assistente de adolescentes que batiam carteiras e vendiam drogas. Foi quando percebi que eles prestavam atenção à música.
Por isso, acho que todo artista é um exemplo de comportamento. Mesmo os que dizem que não querem ser, acabam sendo imitados por adolescentes. É muita responsabilidade para você agir de maneira errada.
Folha - Você é contra os rappers da Califórnia, que fazem letras celebrando a violência?
Guru - Respeito gente como Ice Cube e Snoop Doggy Dogg, porque eles vieram das ruas e não porque fazem parte de algo chamado ``gangsta rap". Este termo foi inventado pela mídia. Gângsteres não fazem rap.
Conheço gente de 19 anos que tem jaguar, mercedes e coberturas e já mataram oito pessoas. Nenhum deles entrou em nenhuma gangue. Não conseguiriam conviver com ninguém no negócio da violência sem matá-lo.
Esse tipo de crime tem que parar, porque são negros matando negros. Eu mesmo já teria sido morto, se não tivesse descoberto o rap. Teria entrado em algum grupo militante e recebido um tiro de misericórdia.

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