São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 1994
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Medeiros filma aventuras na revolução

BERNARDO CARVALHO

A atriz portuguesa, membro do júri da mostra, aguarda financiamento para dirigir seu terceiro longa-metragem
A atriz portuguesa Maria de Medeiros, 28, está em São Paulo pela terceira vez para acompanhar a mostra, agora como membro do júri. A atriz, que contracena com Bruce Willis no último filme de Quentin Tarantino, ``Pulp Fiction", ganhou o prêmio de interpretação no Festival de Veneza deste ano por ``Três Irmãos", de Teresa Villaverde, que está sendo exibido na Mostra.
Maria de Medeiros começou no teatro francês (``Teatro é uma experiência mais extrema. Como num circo. É mais acrobático", diz). No cinema, trabalhou com Philip Kaufman (``Henry e June") e Manoel de Oliveira (``A Divina Comédia"), entre outros. Seu próximo filme será dirigido, na Irlanda, pelo japonês Akinori Sujitani.
``É um filme misterioso. Nunca se vem a saber o que é a minha personagem. Chama-se Lena e apresenta-se como brasileira. É um filme sobre o mistério. Sobre a pessoa que se apaixona pelo mistério da outra pessoa, mas nunca chega a saber", diz a atriz.

Folha - Como aconteceu o convite para fazer ``Pulp Fiction"?
Maria de Medeiros - Tarantino e eu éramos amigos muito antes de existir ``Pulp Fiction". Nós nos conhecemos no sul da França, quando ele foi apresentar ``Cães de Aluguel". Ele tem algumas amigas atrizes européias e tinha escrito esse papel –a noiva francesa do Bruce Willis– pensando nelas. Penso que eu estava incluída. Muita gente quis entrar em ``Pulp Fiction". Ele viu muitos atores para cada papel. É muito agradável trabalhar com ele, porque ele próprio é ator e diverte-se com os atores. O filme foi todo ensaiado, cada cena, quase como teatro. Fui a Los Angeles só para ensaiar. Ficávamos fechados no estúdio e inventávamos pequenas coisas, detalhes que fazem justamente a riqueza. Quando voltei depois para as filmagens, estava muito descontraída.
Folha - Você já filmou com Manoel de Oliveira. Ele é um pouco execrado pelos portugueses. O que você acha dele?
Medeiros - É um fenômeno. Com a idade que tem continua a fazer experiências e explorar como uma criança. É o que faz dele uma personalidade extraordinária dentro do cinema. A respeitabilidade que ele inspira lhe permite fazer todas as provocações e tentar as coisas mais formais que não são permitidas aos jovens. Se alguém vier dizer, como Bu¤uel, que quer pôr dois burros dentro de um piano, o produtor vai responder que está louco, não tem sentido.
Folha - Como você vê a nova geração do cinema português de que faz parte Teresa Villaverde?
Maria - Costumo comparar a Teresa e o Tarantino, porque são dois realizadores jovens, muito originais e que têm um mundo próprio. Mas o trabalho dela se integra a uma nova produção, que marca a grande entrada do ator no cinema português. É siginificativo que o filme tenha recebido o prêmio de interpretação em Veneza. O cinema português explorava coisas ligadas ao estético, ao teórico, ao formal. E, de repente, irrompem os atores. É uma grande pedra no charco, uma novidade.
Folha - Quais as principais diferenças entre fazer um filme europeu e um americano?
Maria - Nos Estados Unidos se trabalha de modo muito eficaz. Los Angeles é como uma cidade industrial do norte da Europa, onde todo mundo trabalha na mina. Em Los Angeles, todo mundo trabalha na indústria do cinema. Os diretores americanos com quem trabalhei são autores, fazem um cinema que não é muito diferente do europeu. É muito escrito. Não sei se me divirtiria no cinema dos grandes estúdios.
Folha - Você também dirige filmes.
Maria - Fiz dois e tenho um projeto para outro. O primeiro era uma peça de Beckett, ``Fragmento 2", e o segundo, peças inéditas de Fernando Pessoa, um teatro simbolista, difícil. Queria filmar teatro do ponto de vista de dentro, do ator. Um ator quando está representando com outro ator está vendo uma mão que treme, indícios de coisas que dão uma outra perspectiva. O novo filme não tem nada a ver com literatura. É um filme de aventuras, sobre as 24 horas da revolução de 25 de abril, vividas por um militar. Estou esperando o financiamento.
Folha - Você ia filmar no Arizona...
Maria - Já filmei. É o primeiro filme de uma cineasta independente, Ariadne Kimberly. São três mulheres com problemas psicológicos, que são também problemas alimentares. As americanas quando têm problemas psicológicos é sempre assim. Acho divertidíssimo. Não sei. Acho que as brasileiras e as européias não passam por isso (risos). No filme, umas são gordas, outras são magras e vão para um rancho de ioga, uma clínica para tentar curar-se. É claro que no fim estão tão loucas quanto no começo. Os americanos têm tendência a no fim sempre terminar com um milagre. O filme não é assim. A vida também não. A gente vai resolvendo uma coisas e outras não. É um filme muito sutil, com um ritmo muito feminino, o contrário do Tarantino.

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