São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 1994
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Âncora de isopor

A expressiva elevação dos limites à emissão de moeda significa, na prática, que deixou de existir a ``âncora monetária" do Plano Real, se é que se pode dizer –à luz dos fatos recentes– que algum dia ela chegou a existir. Os saldos originalmente limitados a R$ 10,2 bilhões para o último trimestre de 93 subiram a R$ 17,392 bilhões na atual reedição da MP que criou o real.
Não se pode deixar de reconhecer as dificuldades, quando do lançamento do plano, em prever qual seria o nível de remonetização da economia com a queda da inflação. Sabia-se que as pessoas passariam a portar mais moeda, mas não se podia antever com precisão de quanto seria esse crescimento.
Por isso, houve certa tolerância quando o governo passou a utilizar a margem de 20% sobre as metas previamente estabelecidas. Não seria inflacionário um aumento do volume de moeda que se devesse unicamente à mudança de hábitos da população e não ao desequilíbrio das contas públicas ou à entrada excessiva de dólares. Esse argumento, porém, se enfraquece face à magnitude da alteração de metas.
Tem-se a impressão de que não se tratou de uma revisão técnica, que incorporasse o novo comportamento da população, mas mantivesse uma política monetária austera. A generosa elevação dos limites de emissão pode lançar a suspeita de que o governo tenha desistido de usar o controle da base monetária como garantia contra a inflação.
A credibilidade do plano passaria, assim, a depender de outras âncoras: o equilíbrio das contas públicas, a valorização do câmbio e a desindexação dos salários. O encaminhamento das reformas do Estado assume, assim, uma importância ainda maior, pois é o que poderá garantir o equilíbrio orçamentário.
Entre os vários aspectos negativos, uma avaliação otimista poderia apontar algo positivo: sem o constrangimento dos limites monetários, o Banco Central não se vê obrigado a emitir títulos para tirar moeda de circulação. Desse modo, as taxas de juros poderiam não se elevar.
De modo geral, entretanto, a frouxidão das novas metas arranha o plano de estabilização e a credibilidade da gestão econômica: ou o governo foi muito pouco competente ao fixar os limites iniciais, ou jamais acreditou na importância de suas próprias disposições. As duas hipóteses são desabonadoras.

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