São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 1994
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Itamar e o Vesúvio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Transcrevo três notas publicadas no Painel da edição de sábado deste jornal. 1: ``Itamar usa o calendário eleitoral para resistir às pressões pró-intervenção. Tudo é adiado para após 15 de novembro". 2: ``Amigos de Itamar dizem que, se os militares subirem os morros, descerão sem apreender armas e drogas. Em compensação, qualquer civil morto atrapalharia –e muito– o plano de Itamar de deixar o governo em alta". 3: ``Uma ala dos assessores de Itamar criticou, em reunião no Planalto, as manifestações de FHC sobre a violência no Rio. Suspeitam que ele esteja jogando para Itamar todo o problema da intervenção, liberando-o do ônus".
Comecemos pela última: é um ``flash" das entranhas do poder. O bem público e a ordem na sociedade são valores subordinados ao supremo valor do interesse político e pessoal da mais alta autoridade da República. A preocupação em deixar ``o governo em alta" faz do atual presidente um vulgar candidato presidencial a qualquer-coisa-que-ainda-possa-vir, seja um governo estadual (como o de Minas), seja um retorno à Presidência. Pior: é um candidato já em campanha, quando nem sequer foram proclamados os resultados da última eleição. No caso de Itamar há a explicação de que chegou ao poder na carona de Collor. Dois terços dos eleitores de Collor não sabiam o nome do vice naquela estranha chapa lubrificada pelo dinheiro do esquema PC Farias.
Finalmente, a noção de dever que Itamar cultiva: ``Tudo é deixado para após 15 de novembro". Sem comentário.
Com ou sem intervenção, Itamar cometeu um crime contra a nação e contra o Rio em particular, colocando a questão na alternativa constitucional de intervenção ou não. Esqueceu o leque que se abria entre as duas opções. Uma dessas opções só agora parece que será adotada. O problema do tráfico nos morros cariocas só é estadual pela sua localização topográfica. Legal e operacionalmente é problema federal. Se irromper um vulcão na avenida Paulista com a força do Vesúvio quando sepultou Pompéia e Herculano, o problema não será exclusividade do governo de São Paulo, muito menos da prefeitura local. Nem será necessário deslocar Fleury ou Maluf para que a União cumpra o seu dever.

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