São Paulo, quarta-feira, 2 de novembro de 1994
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Lições que vêm do Prata

CLÓVIS ROSSI

BUENOS AIRES – A Argentina que o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso visita a partir de hoje é muito mais interessante como tema de estudo do que como local para conversações formais.
Afinal, não há, na agenda entre os dois países, contencioso algum. Ao contrário, as relações são hoje as melhores possíveis. Do ponto de vista do estudo socioeconômico, no entanto, a Argentina é um campo formidável.
Primeiro, porque é a evidência mais gritante dos benefícios da estabilização para a população mais pobre.
Recente estudo do Banco Mundial mostra que, no período de gestão do presidente Carlos Menem, iniciado em 1989, os 10% mais pobres recuperaram 50% do que haviam perdido nos 10 anos anteriores, em termos de participação na renda nacional.
Diga-se que o estudo foi divulgado em Buenos Aires por um jornal insuspeito por ser o mais crítico do governo ("Página 12"). Mais interessante ainda: quem perdeu foram os 10% mais ricos, que viram sua fatia do bolo reduzir-se de 40,7% em 89 para 35,3% em 1993.
Até aí o lado brilhante da história. O lado triste: mesmo tendo melhorado sua situação, os 10% mais pobres ficam com apenas 1,7% da renda, menos do que o 1,9% que detinham em 1980. Pode-se inferir, desses números, que estabilizar a economia é condição necessária, mas não suficiente, para alterar decisivamente a equação social.
Agora, vem a pior parte: a Argentina cresceu 25,5% nos três últimos anos, mas, ainda assim, o desemprego atual é recorde histórico. Em maio passado, havia 1,452 milhão de desempregados (ou 10,8% da força de trabalho) e mais 1,371 milhão no subemprego (10,2% da população economicamente ativa).
Caberia deduzir que, se a estabilidade não basta, tampouco basta o crescimento econômico, nos dias que correm, para abrir postos de trabalho na quantidade necessária. Por tudo isso, a Argentina que FHC visitará hoje e amanhã é um verdadeiro "show-case" das dificuldades de se administrar um país, qualquer que seja, nos tempos modernos.

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