São Paulo, quarta-feira, 2 de novembro de 1994
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Bom senso tardio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Não dava para entender: na luta contra o tráfico nos morros cariocas, falou-se em intervenção federal e em estado de defesa –remédios previstos na Constituição. Apesar da gravidade da situação no Rio, tais medidas serviriam apenas para mascarar uma jogada política.
Jamais me explicarão o suficiente sobre a necessidade de violar correspondência, permitir escuta telefônica e suspender direitos individuais para combater um fenômeno localizado e –pelo menos até agora– isolado.
A não ser que o governo, expressando um sentimento da sociedade, queira também acabar com o consumidor de coca que pode morar no Palácio Alvorada ou nos apartamentos de Ipanema (já foi dito que, sem droga, não haveria novela das oito nem shows da música popular).
Prevaleceu, finalmente, o bom senso que foi negado ao Rio nos últimos anos. A participação (e não a intervenção) do governo federal, através das Forças Armadas, era a solução que se impunha.
Ofereciam ao Rio, com evidente cinismo e condenável ausência de responsabilidade, a alternativa da intervenção ou da continuação da violência.
As Forças Armadas –disse Blasco Iba¤ez em "A Catedral"– ou são poucas para o caso de uma guerra externa (e para isso convocam a população civil), ou são muitas para enfrentar uma crise interna. O contribuinte mantém as Forças Armadas para, prioritariamente, enfrentar uma agressão externa, mas também para participar da luta contra um inimigo organizado que venha a se instalar no seio da comunidade.
Foi assim que os militares agiram em momentos de nossa história, às vezes abusivamente, por tempo e com intenções além do interesse nacional.
Para não ir longe: durante quase 20 anos as Forças Armadas assumiram papel de polícia, subiram morros, sim senhor, e desceram vales. Só em minha casa vieram me buscar várias vezes.
O comandante da ação a ser agora organizada disporá de recursos, de logística e do apoio da sociedade. Dá para lamentar que medida tão elementar tenha vindo tão tarde.

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