São Paulo, sábado, 5 de novembro de 1994 |
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Nem linha-dura nem neoliberal
MARCOS FERRAZ A questão proposta se presta a frequentes simplificações de caráter maniqueísta, que acabam por estreitar um problema extremamente complexo, permanecendo a discussão quase sempre em torno da droga que está mais em evidência.Assim, são retiradas da discussão o enorme abuso das chamadas drogas lícitas –que só deveriam ser vendidas com receita médica, como os benzodiazepínicos–, sempre à espera de uma reorganização na comercialização, maior rigor na prescrição e a aplicação da portaria que obriga o médico a prescrever pelo nome genérico do produto que permanece sob pendência judicial. Outra questão importante de saúde pública que permanece oculta é a inalação de solventes, utilização de chás entre os meninos de rua apontados por Carline e Cotrin, entre outros que somente podem ser resolvidos com programas específicos envolvendo esta área. A sociedade parece ser pouco sensível também aos problemas do alcoolismo, que representa a primeira causa de internação da população adulta masculina em hospitais psiquiátricos. Recente estudo epidemiológico realizado em São Paulo por Mari e Col apontou que 8% a 10% da população adulta apresentava problemas de abuso ou dependência de álcool. Esses dados mostram a necessidade de reformular a política da produção, comercialização e cobranças de impostos, bem como penalização rigorosa para o ato de dirigir embriagado. A comunidade, porém, mostra-se extremamente sensível ao uso e abuso de drogas ilícitas como maconha, cocaína, heroína etc. Dois grupos mantêm acalorada discussão. O primeiro acredita que somente penalizando traficantes e usuários pode-se controlar o problema, procurando enfatizar os aspectos repressivos. Essa corrente atingiu o seu maior momento logo após o movimento militar de 1964. Mostram, por exemplo, que "no fim da linha" usuários fazem sempre um pequeno comércio, o que no fundo os igualaria aos traficantes, dificultando o papel da Justiça. Apontam com frequência programas extensos em fazendas de recuperação daqueles muito reconhecidamente dependentes, transformando o tratamento em um programa agrário. Na outra ponta, um grupo "neoliberal" busca uma solução no mercado. Acreditam que liberando e taxando essas drogas através de impostos poderiam neutralizar o comércio, o uso e o abuso. As experiências em curso não apresentam resultados animadores e são realizadas em países com perfil cultural muito diferente do nosso. Como uma terceira opção podemos olhar a questão por diversos ângulos. O usuário eventual não necessita de tratamento, deve ser apenas alertado para os riscos. O dependente deve ser tratado e para isso a descriminalização do usuário é fundamental, pois ajudaria em muito o pedido de ajuda deste segmento. O traficante e o produtor devem ser penalizados. O argumento de que usuários vendem parte de seu produto é desconhecer as relações e trocas entre eles. Duplamente penalizados, pela doença (dependência) e pela lei, os usuários aguardam melhores projetos que cuidem de seus aspectos de saúde e legais. MARCOS P. T. FERRAZ, 55, psiquiatra, é professor titular de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina. Foi coordenador de saúde mental da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo (governo Montoro). Texto Anterior: O perigo de atitudes isoladas Próximo Texto: Votou no que viu...; Aposentadoria eleitoral; Apocalipse mineiro; Exército no Rio; Sem escrúpulos o tempo todo; Ombudsman; Novas e velhas amizades; Salários; Sabotagem Índice |
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