São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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Estupro eletrônico

RICARDO FRANK SEMLER

LONDRES, INGLATERRA - O jornalista Steve Fleming é um desses curiosos que gosta de saber o que está escondido em computadores alheios. Há poucos meses resolveu procurar outros bisbilhoteiros eletrônicos através de um bicho chamado Internet, que vem a ser uma rede internacional de contatos, comunicações e informações por computador.
O Fleming tinha ouvido rumores através do Internet (aliás, uma fonte incomparável de suculentas fofocas) que davam conta de acesso a telefones e dados secretos através da violação do gigantesco computador central da Telebrás daqui, a British Telecom.
Ele resolveu descobrir, pelo Internet, se era verdade. Belo dia, o terminal dele amanheceu com longas listas de telefone, enviadas anonimamente. Ele resolveu testar um dos números, e ligou para a casa do primeiro-ministro, John Major. Pediu para falar com John e descobriu que tinha acertado na mosca.
Abobado, descobriu que havia recebido pelo Internet os endereços particulares dos chefes do serviço inglês de espionagem, localização dos abrigos secretos para caso de guerra nuclear, e ainda a linha direta da rainha. Grampear os telefones seria um pequeno passo além.
O escândalo bateu, os principais telefones do Reino Unido estão nesta semana sendo alterados, e serviços de segurança estão se sentindo como trombadinhas diante de um terrorista.
George Orwell, autor do livro "1984", está gargalhando do caixão. Dez anos após a respiração aliviada do mundo, ao acreditar que o perigo do Grande Irmão havia passado, vem isto. O Internet traz o vilarejo global do McLuhan de uma forma cômica. Com 25 milhões de usuários em 75 países e 48.000 redes diferentes, o Internet virou um bichão de difícil controle.
Começa pelo fato de que o Internet não tem dono. É uma rede democrática. Qualquer um, idealista ou gângster, pode entrar. É só assinar um dos serviços, e pronto. Dá para receber catálogos de lojas através de shopping centers virtuais, escolher um item, digitar o número do cartão de crédito e endereço, e esperar a encomenda pelo correio.
Dá para mandar fax e receber memorandos de qualquer lugar do mundo, inclusive de gente que você não conhece, e provavelmente nunca conhecerá. Como o Internet trafega em qualquer sistema, linguagem e ambiente eletrônico, não há limitações aparentes, e em breve deve permitir alugar vídeos, receber até 500 canais de TV do mundo inteiro e interligar telefones com televisão. Bem, bem, bem. Mas tem um porém.
O Internet ainda é inseguro. Como você pode mandar uma mensagem para o sistema, é um pouco como sair na avenida Paulista e gritar opiniões. No começo poucos dão atenção, mas depois vem palpite de volta. E vem o que se chama de "flaming", ou queimada.
Gente que não gostou de uma opinião sua começa a mandar centenas de mensagens bravas e ofensivas ao seu domicílio eletrônico. Um casal que tentou vender produtos pornográficos através do Internet recebeu oito mil mensagens iradas, teve a sua residência apedrejada e passou a contar com um fanático religioso que mandava duas mil cartas por dia para o terminal deles, inviabilizando qualquer comércio. Afora isto, não há como garantir a confidencialidade de cartões de crédito, endereços de casa e nem, como se viu em Londres, informações ultra-secretas do governo.
Bem-vindos ao mundo que o Orwell sonhou. O Internet veio para ficar. Hora de procurar um cinto de castidade eletrônico, porque a violação vai rolar solta!

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