São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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Preços relativos e o nível geral de preços

GUSTAVO H. B. FRANCO

O comportamento dos diversos índices de preços para o período posterior a julho revelou padrões que não devem surpreender. Afora os efeitos de acidentes como secas e geadas, cuja influência é essencialmente não-sistemática, destaca-se de forma clara, na tabela, o comportamento dos serviços e dos produtos ali designados como "diferenciáveis". Conforme ilustrado na tabela, o mesmo fenômeno parece estar presente em todos os nossos planos anteriores e também no Plano Cavallo. Do que se trata?
O que parece estar em jogo é uma acomodação de preços relativos típica de episódios de desinflação e que não necessariamente tem que ver com o nível geral de preços. É este, precisamente, que preocupa os gestores da estabilização, pois a inflação, como se sabe, é o aumento generalizado –e não localizado– de preços. Assim sendo, é preciso compreender a natureza dessa acomodação de preços relativos, de modo a aferir sua extensão e a necessidade de medidas corretivas.
Faz parte da experiência cotidiana de cada um de nós, no mundo da alta inflação, a observação de preços diferentes, às vezes absurdamente diferentes, para a mesma mercadoria (ou similar). Diante desta dispersão de preços, os consumidores, individualmente e como grupo, se vêem cada vez mais fortemente estimulados a procurar diferentes fornecedores toda vez que precisam comprar algum item de peso significativo em seu orçamento.
Destróem-se, assim, as relações de clientela e o apego às marcas, em função do incentivo proporcionado pela possibilidade de, em mais uma "busca" pelo mercado, se encontrar um fornecedor com preços defasados. Os preços (reais) efetivamente praticados nesses mercados tendem a cair, pois os consumidores se tornam muito ariscos (ou seja, com demanda mais elástica), forçando os vendedores a praticar margens menores para girar seu estoque a um ritmo minimamente tolerável em um contexto de inflação alta.
Deteriora-se, em suma, a qualidade da informação contida nos preços: não se sabe mais o valor exato de coisa alguma.
Com a redução súbita e drástica da inflação, estes processos se revertem de forma bem clara. Reduzida a dispersão de preços relativos pela queda no nível de inflação, diminui o incentivo a gastar tempo e dinheiro na busca de novos fornecedores lentos em remarcar preços. Diante da pouca chance de se achar um preço significativamente menor do que o praticado pelo fornecedor mais conhecido, não vale a pena procurar.
As relações de clientela se solidificam novamente, o apego às marcas e aos fornecedores se recompõe e, com isto, o consumidor aceita pagar preços mais elevados para o fornecedor conhecido, pois economiza os custos (e os neurônios) de procurar freneticamente o menor preço. Pode resistir, é claro, e procurar alternativas, mas o fará no limite de seu tempo disponível e do montante esperado de economias a realizar.
Do lado do vendedor, o que se observa é um aumento do número de clientes conhecidos vis-à-vis os arredios marinheiros de primeira viagem. O maior apego à marca ou ao fornecedor do serviço significa, em verdade, uma demanda menos elástica e, com isto, maiores margens para o vendedor.
Assim sendo, conclui-se que o nível de inflação altera preços relativos, principalmente em se tratando de produtos sujeitos à diferenciação e cujos mercados estão sujeitos a relações de clientela e de "informação imperfeita".
Este é exatamente o caso de preços, como os de artigos de vestuário, de carros usados, de restaurantes –ou seja, os itens agrupados sob a rubrica "diferenciáveis" na tabela e de serviços pessoais, tais como cortes de cabelo, consertos, tratamentos dentários e psicanalíticos etc.
Note-se que é esta a razão pela qual os índices de preços ao consumidor correm na frente dos índices por atacado (favor reparar nos preços industriais), como observado na tabela, nos vários episódios.
Em função dessas considerações e a julgar pela evidência da tabela, os fins de inflações altas trazem acomodações de preços relativos decorrentes do fenômeno acima descrito, que provocam "inflações residuais" de magnitude significativa. Nosso caso não é exceção e as lições a reter são simples.
A primeira é separar o joio do trigo e fazer uma leitura cautelosa dos índices: os índices limpos de variações de preços relativos informam para onde estamos caminhando.
A segunda, e mais importante, é a de que mudanças em preços relativos apenas se tornam inflação quando transmitidas ao conjunto dos preços através da praga da indexação.
As mudanças de preços relativos têm de ser absorvidas e não repassadas. Para que isto aconteça, o caminho é a destruição completa da máquina da indexação –a jurídica e também a que funciona dentro da cabeça do brasileiro. Além disso, é preciso sonegar qualquer oxigênio monetário a esta "inflação residual". Desta forma, o mercado resolve os preços relativos e o Banco Central resolve o nível absoluto de preços.

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