São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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EUA buscam ingresso no 'Século Pacífico'

JAMES A. BAKER

Será que o ano 2000 vai marcar o início do Século Pacífico, como prevêem muitos especialistas? E será que a ascendência asiática oriental, como afirmam muitos especialistas, significará o eclipse dos Estados Unidos enquanto potência dominante na região?
Busquei respostas a estas perguntas numa viagem que fiz recentemente a Cingapura, Taiwan e Japão. Para estas e outras nações dinâmicas do Extremo Oriente, o Século Pacífico já começou.
Isto é verdade, sem dúvida alguma, no campo econômico. Apesar da recessão japonesa, as economias do Extremo Oriente continuam provocando inveja em seus competidores e funcionando como exemplo para os países menos desenvolvidos do mundo inteiro.
Mas os EUA não têm nada a temer de um Século Pacífico. Na realidade, estamos muitíssimo bem posicionados para promover nossos interesses estratégicos, políticos e econômicos –tanto na região, quanto internacionalmente. Mas só poderemos fazê-lo se estivermos preparados para usar nosso poderio militar e nossa influência diplomática para ajudar a enfrentar desafios críticos do Extremo Oriente, nos anos vindouros.
Possivelmente o desafio mais importante é a emergência de Pequim na era pós-Deng Xiaoping –transição que tem ramificações enormes, não apenas para a China mas para a região inteira. A abordagem de Deng à liberalização econômica, combinada com o autoritarismo político, rendeu resultados notáveis em termos de crescimento de curto prazo. A longo prazo, porém, não é sustentável.
Na verdade, o adiamento da transição a um governo de bases mais populares implica no risco de tumultos quando a geração atual de líderes sair de cena. O cenário mais provável será um período de calma, que durará possivelmente entre seis meses e dois anos, enquanto as figuras líderes da nova geração dividem o poder com os líderes velhos.
Depois disso, começarão as disputas internas para assegurar posições. Uma possibilidade é a emergência de uma ditadura militar disposta a reprimir a insatisfação política e recorrer ao aventurismo regional. Existe outra possibilidade mais perigosa: que a China reverta ao caos que viveu na década de 20, quando chefes militares rivais lutavam pela supremacia.
Os Estados Unidos e seus aliados na Ásia Oriental têm grande interesse na estabilidade de longo prazo da China. Esta estabilidade estará melhor servida por uma abordagem que equilibre os vínculos econômicos próximos com a China e a manutenção de uma presença militar americana digna de crédito no Extremo Oriente.
Os relacionamentos de defesa especiais que temos com o Japão, a Coréia do Sul e os países da Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático) continuarão sendo peças fundamentais da segurança asiática –não como parte de uma aliança anti-chinesa, mas como força favorável à estabilidade regional.
Os crescentes laços econômicos entre a China e o mundo externo constituem a melhor garantia de um comportamento chinês responsável em relação aos países vizinhos. Os EUA, especialmente, precisam ficar atentos para evitar confrontos contraproducentes como aquele que a administração Clinton evitou por pouco, sobre o status de nação comercial mais favorecida. Nada poderia servir mais diretamente aos interesses dos potenciais representantes da linha dura pós-Deng.
Um segundo desafio-chave no Pacífico é a instabilidade representada pela península coreana. Infelizmente, o perigoso jogo norte-coreano de gato e rato nuclear parece ter dado resultados. O recente acordo entre a administração Clinton e o regime de Kim Il Jong representa um reconhecimento tático do status nuclear da Coréia do Norte. Como tal, solapa tanto o regime internacional de não-proliferação nuclear quanto a paz no nordeste da Ásia.
As armas nucleares norte-coreanas, seja qual for seu número, constituem uma ameaça direta à Coréia do Sul e às tropas norte-americanas ali estacionadas. Ao recompensar a busca norte-coreana irresponsável por capacidade nuclear e fortalecer o regime cambaleante de Kim, a administração Clinton pode ter garantido uma pequena trégua. Mas o fez a um custo real.
As consequências estratégicas a médio e longo prazo do acordo podem muito bem ser um risco aumentado, e não diminuído, de conflito na península coreana. Isto reforça a necessidade de se manter e possivelmente fortalecer a presença militar dos Estados Unidos na península coreana e na região circundante.
Ademais, a ameaça que uma Coréia do Norte continua a representar exige que os EUA revejam sua atual política de desenvolvimento dos sistemas de mísseis antibalísticos táticos. Se estivermos dispostos a abrir mão da anuência total ao regime de não-proliferação internacional –e, infelizmente, a administração Clinton parece estar disposta a isso–, então precisamos também estar preparados para criar os instrumentos necessários para proteger as forças dos EUA contra um ataque nuclear.
A mensagem do acordo da administração Clinton com a Coréia do Norte não passará desapercebida de outros países não confiáveis interessados em adquirir capacidade nuclear.
Um terceiro desafio com que o Extremo Oriente vai se defrontar será a transformação econômica da região. Seguindo o modelo japonês liderado pelas exportações, as economias asiáticas orientais se transformaram, num prazo de poucas décadas, em forças mundiais que merecem respeito. Mas a experiência do Japão também demonstra os limites do crescimento liderado pelas exportações.
Com o tempo, os constantes superávits comerciais não substituem uma demanda interna forte. Os crônicos desequilíbrios comerciais provocam tensões internacionais e têm custos, em termos de padrões de vida. Hoje o Japão está avançando lentamente em direção a uma abordagem econômica mais equilibrada. Outras economias asiáticas orientais enfrentam uma transição semelhante. Mas elas estão bem posicionadas para isso.
A maioria das nações asiáticas orientais conseguiu atingir o crescimento econômico sem sofrer desigualdades extremas de renda. A existência de uma classe média emergente constitui um bom indício para um crescimento baseado no consumo.
Apesar disso, ainda resta muito a fazer em termos de abrir os mercados domésticos e incentivar a demanda. Senão, os desequilíbrios econômicos irão semear o conflito político. Isso, por sua vez, pode reduzir a necessidade do engajamento americano em questões críticas de segurança asiática.
A liberalização adicional do comércio e dos investimentos internacionais será uma parte crítica desse processo. A conclusão, já muito atrasada, da Rodada Uruguai do Gatt deve marcar a transição para uma liberalização ainda mais ampla do comércio e dos investimentos entre as nações do Extremo Oriente. O fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico constitui um poderoso veículo para tal liberalização.
Recentemente, o presidente Clinton participou da reunião da Apec na Indonésia, onde ele e outros chefes de Estado se comprometeram com uma agenda ativa de liberalização comercial e de investimentos. É do interesse dos EUA que a abordagem da Apec seja inclusiva, não exclusiva.
O premiê malasiano Mahathir Mohammad vem promovendo a idéia de uma organização multilateral asiática que incluiria o Japão, mas excluiria os EUA. Isso é perigoso. Quase 50 anos após a 2ª Guerra Mundial, seria trágico tentar mais uma vez traçar uma linha arbitrária atravessando o Pacífico.
O prejuízo para as relações EUA-Japão, pedra de toque da paz e da prosperidade no Pacífico, seria irreparável. O mercado norte-americano vem funcionando há décadas como motor do crescimento de países como o Japão e a Malásia. Se o Japão ingressasse num agrupamento comercial asiático que excluísse os EUA, isso seria não apenas uma traição à lealdade, mas um convite aberto a uma guerra comercial.
Tendo em vista o que está em jogo, a administração Clinton deve opor-se a qualquer esforço desse tipo, e não deve hesitar em pressionar o Japão a dizer não. Em lugar disso, os Estados Unidos e o Japão devem continuar a trabalhar, através da Apec, para desenvolver e implementar um quadro flexível que permita que seus membros ofereçam comércio e investimentos mais livres –não apenas entre países membros, mas também com outros países, incluindo a Rússia.
A liberalização econômica também vai fortalecer a tendência regional a governos de base popular mais ampla. As populações do Extremo Oriente, cada vez mais prósperas, anseiam por uma participação maior nas decisões públicas. A experiência do Taiwan, que hoje tem um PNB per capita de US$ 11 mil e um sistema pluripartidário ativo, revela a relação simbiótica existente entre livres mercados e governos livres. O desafio da transformação econômica é apenas um dos testes cruciais que os EUA e as nações da Ásia Oriental terão que enfrentar.
Esta comunhão de interesses, por sua vez, reflete outra verdade fundamental: os EUA continuam sendo uma potência Pacífica, como o são desde o final do Século passado. Os asiáticos orientais reconhecem esse fato, e na verdade o apreciam. Em todo lugar onde fui, os líderes asiáticos pediram mais engajamento norte-americano e não menos. Eles percebem –como também os americanos deveriam perceber– que para que o Século Pacífico seja pacífico e próspero, os Estados Unidos precisam fazer parte dele.

Tradução de Clara Allain

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