São Paulo, sábado, 3 de dezembro de 1994
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As regras que valem

JANIO DE FREITAS
AS REGRAS QUE VALEM

A regra não deixou de ser cumprida: o comércio de automóveis pratica ilegalidades na venda com ágio e o governo investe contra o consumidor explorado.
A regra não deixou de ser cumprida: a Medida Provisória que determina o pagamento do imposto e ainda de multa, pelo consumidor que venda antes de um ano de uso o seu carro "popular", contém uma arbitrariedade contra os direitos civis.
Vá lá que o governo exigisse a parte deduzida no imposto do carro. Mas a multa é exorbitância. Exceto os casos previstos em lei, ninguém poderia ser multado, a não ser por ato de arbitrariedade, se um problema imprevisto o obrigar à venda de patrimônio. Problema de saúde na família, de formação acadêmica dos filhos, débitos pela compra de um imóvel, dificuldades de uma pequena firma para honrar suas dívidas, perda do emprego –tudo isso daria motivação justa e honrosa à venda de um carro comprado com o sonho de mantê-lo. Agora, porém, é motivo de multa pesada.
Bem, se não investisse com arbitrariedade contra o consumidor, o governo teria que agir contra os empresários do ágio. E aí descumpriria as regras do seu neoliberalismo.
Os solidários
A crise institucional que o Senado procura criar, na tentativa de salvar a anulada reeleição do senador Humberto Lucena, é a reação dos culpados impunes. Os numerosos senadores que incitam o confronto do Congresso com o Judiciário estão na situação de devedores de Lucena, conhecido criador de privilégios e favores para os colegas e suas famílias, ou de praticantes do mesmo crime eleitoral que o condenou, porém não punidos pela Justiça.
O argumento dos senadores indignados, segundo o qual a punição de Lucena significa interferência do Poder Judiciário no Poder Legislativo, vai além da improcedência factual: entra pela desonestidade.
O réu condenado, sucessivamente, pela Justiça Eleitoral e pelo STF foi o candidato que, embora eleito em 3 de outubro, cometeu ato impeditivo do exercício do mandato pretendido. O atual mandato de Lucena, do qual ele se aproveitou para imprimir na gráfica do Senado calendários com propaganda do seu nome, não foi atingido pela decisão judicial. Sequer foi objeto de julgamento. Lucena continua senador até o fim do atual mandato e até presidente do Senado. Estes são os fatos.
Mas os senadores excitados não se limitam à deliberada confusão entre o senador Lucena e o candidato Lucena. Escamoteiam que o candidato foi julgado segundo a Lei Eleitoral que estes mesmos senadores aprovaram em 93. Lei destinada à aplicação pelo Judiciário, sem que isso represente interferência de um poder no outro. O candidato eleito Humberto Lucena foi julgado, portanto, segundo as infrações e penas deliberadas pela Câmara e pelo Senado.
A improcedência da reação de senadores não equivale, no entanto, a considerar correto o comportamento da Justiça Eleitoral. Roseana Sarney, Alexandre Costa, Edson Lobão, Ney Maranhão e outros beneficiaram-se, comprovadamente, da mesma infração que condenou Lucena. Continuam todos portadores dos futuros mandatos obtidos nas últimas eleições. A anulação da eleição de Lucena não torna mais apropriada a palavra justiça no nome da Justiça Eleitoral.

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